segunda-feira, 16 de março de 2009

A crítica, mais uma vez

Ontem assisti a um espetáculo de dança. Entrei num processo interno depois dele, aquela atitude auto-reguladora: dizer que não gostei, um espetáculo no Teatro São Pedro, lotado, com uma divulgação que poucos espetáculos podem girar? Pois é um espetáculo de dança contemporânea, e talvez eu estaria assim assinando meu atestado de insensível e/ou desentendido no assunto.
E de fato me parece que há entre as pessoas, em sua maioria, um enrola-enrola pra não afirmar que não gostou, ou que não entendeu (mesmo que nem sempre tenha algo pra entender nesse contexto). Mas a sensação de vazio quando se sai do espetáculo não é um bom sinal. Há não ser que seja um vazio daqueles que se tem quando se perde o chão, o céu, uma grande luz ofusca seus olhos, ou adentra na mais profunda escuridão, e não sabe mais o que sabe. Mas vazios como esse são raros.
A primeira sensação que faz ser “bom” um espetáculo penso que é, justamente, o quanto ele te faz sentir. Para além desta sensação de vazio. Pode ser algo como a fruição em uma estética interessante, entre cenografia e movimentos, ou participar de alguma crítica, trazer para a dança um questionamento, uma reflexão. Foi este último a intenção (ou a ênfase) do espetáculo que assisti. E certamente ele alcançou tal objetivo. Mas me parece que para questionar basta colocar em questão, ou perguntar. E a crítica pode ser no sentido -de senso comum- de apontar os defeitos de um processo. Uma crítica que coloque em crise (leia pelos textos passados aqui citação de Barthes) é uma outra história.
Trata-se do espetáculo “Geraldas e Avencas”. Este se propõe a fazer uma crítica às padronizações em que o corpo é inserido. Coisa que está escrita no convite e de forma explícita no espetáculo. De minha poltrona, e nos passos que se seguiram até minha casa, pensei algumas coisas:
- O assunto é batido. Há de ser fazer um esforço, neste casos, para não cair nos clichês próprios desses assuntos. Diria até que são em si assuntos clichês.
- Partindo deste princípio, fiquei incomodado quando os dançarinos entraram em cena com balões representando peitos siliconados e músculos bombados. Pois neste tema clichê, este é o clichê dos clichês. Mais um: espelhos côncavos e convexos distorcendo a imagem corporal: não preciso me repetir.
- Projeções ao fundo (grandes, em toda a parede) que pouco se relacionavam com os dançarinos e mais com a dança, como representação, reafirmando o que ali estava um tanto afirmado. Ainda assim pouco elaboradas. Aliás, a falta de apropriação dos recursos de cena me incomodaram: do espelho somente um dançarino vi se olhar e de uma barra ao fundo, somente um dançarino veio a tocá-la, sentando: para mim o ápice do espetáculo: gostei da utilização do recurso.
- Outra coisa são os movimentos quase sempre “fluidos” que me pareceram fracos em intenção, ou em intensidade.
- Gostei da dança circular no final, do som dos pés no chão. Gostei da trilha: Zeca Baleiro é bom demais.
O que mais senti falta foi de recursos mais elaborados para uma crítica de um tema tão amplo e múltiplo. Claro que quem escreve aqui é uma pessoa com suas limitações confessas acerca de repertório de espetáculos de dança assistidos. Mas o fato é que o tema é para mim essencial como artista e educador, e talvez por isso esperava bem mais.
Concretizo aqui mais uma tentativa de crítica (que é ativa em mim) com relação ao que se faz quando pensa e se tenta uma crítica. E creio que esta é parte indivisível não somente do artista e do educador, mas de quem vive. Porém, o artista, enquanto, multiplicador, enquanto provocador, deve lançar mão de seus recursos estéticos para disparar no público sensações, colocá-lo de fato em crise com o seu eu de até então, de até há pouco, de antes de se encontrar com a obra.
Claro que como público sou um de muitos que assistiram ao espetáculo. E é pressuposto de qualquer arte, qualquer proposta que se pretenda mostrar, que alguns gostarão e outros não. Uns mais outros menos. E também que de quem escreve sobre ele tenha certo valor agregado e repercussão. Trabalho dos críticos de arte. Não é meu caso, certamente. Por isso hesitei um pouco quanto a esta postagem. Mas conclui que ela está de acordo com a proposta do blog que são as coisas que circundam, e o que se faz com ela. E pelas minhas desqualificação como crítico de arte, certamente ela terá pouca repercussão. É aqui mais um exercício de escritura.
Foucault: ninguém entra na ordem do discurso se não satisfazer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo.(A Ordem do Discurso, p. 37).

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