segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Uma questão central.

Não é o desprezo o estimulante mais eficaz da criatividae, pois obriga o indivíduo a superar a si mesmo, pelo receio de se assemelhar ao que é vergonhoso e medíocre? Ora, ensina Zaratustra, "o que há de mais desprezível no mundo" é "o Último Homem"- o homem aviltado, sem fibra e subjugado que, frente à catastrofe da morte de Deus, escolhe se atolar no pântano da "felicidade"; em suma, o homem que se julga esperto porque prefere fruir mesquinhamente em vez de combater heroicamente.(...) Adivinha-se a receita dessa felicidade: a eliminação engenhosamente programada de tudo o que, na realidade, é fonte de conflitos, de lutas, de tensão- e, portanto, de superação. Trata-se de reduzir a existência humana a uma sonolência prazerosa e ininterrupta, a uma iresponsabilidade contente. Reconhece-se aí o ideal da "sociedade de consumo" moderna, versão técnica e publicitária do niilismo passivo.

Trecho do livro Nietzsche - Autor: Jean Granier.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Uma dúvida cruel

Você está num show, intimista, em pé, próximo ao palco, pessoas conhecidas, copo na mão. A música termina, boa música, o copo não. Os aplausos, o copo na mão. Duas mãos, um copo. Como resolver a equação? Duas mãos são necessárias para aplaudir: o copo não pode estar ali. As opções vão passando pela sua cabeça enquanto as mãos estão a beira de um ataque de nervos: você pode fingir que aplaude, acompanhando o ritmo dos demais, mas o músico é seu amigo e ele merece aplausos verdadeiros. Você pode também usar mão e o ante-braço, mas isso não é um aplauso verdadeiro: nem som quase tem. Pode ainda soltar aqueles gritinhos do tipo: uhuuu, isso aí! (correndo o risco de te olharem dizendo: uhuu?!) Ou pôr o copo na cabeça e aplaudir. Ou ainda, lançar o copo para cima (isso caso esteja vazio), aplaudir, e pega-lo novamente. Ou jogá-lo para cima cheio mesmo, mantendo a boca para cima o tempo todo, ou bebendo o líquido na caída, já fora do copo (mas aí Macgyver, você pede os aplauso para si!). Prender o copo entre o ombro e a cabeça, entre o braço e o tronco, ou entre as pernas (mas se derramar neste local complicaria a sua imagem). Morder o copo, aceitando o risco dos cortes na boca, caso quebre. Correr até a mesa mais próxima, deixar o copo e aplaudir. Aplaudir juntando sua mão livre com o vizinho do lado que, disfarçadamente, busca solucionar o mesmo dilema. Pedir para que o vizinho segure o seu copo com a outra mão: assim pelo menos um pode aplaudir (injusto, mas o mundo é assim mesmo). Ou pode ainda... tarde demais, começou a outra música!

Mas eu penso assim. Mas eu penso outra coisa.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Danço porque não suporto a estrutura

Sei cá

Azul da cor do sol.
Como a cor do ar, que sopra em direção a lua, enquanto ela para.
Parada como o coração.
O sangue que circula, em linha, movente.
Os olhos que vêem, entre a pele que sofre.
Entre o sentido que grita.
Que sorri, ao ver o sol.
Quem sabe a chuva.
Que sentem o vento, como a lua, mas não param, se fecham,
Porque só a lua é forte para suportar o vento, parada.

Fazendo

A empolgação que se faz fazendo. O feito que se fez repetindo. Repetindo, repetindo, até ficar diferente. A diferença que se percebe na sensibilidade, exercitada na repetição. Tudo se repete e não se repete.

Caminhamos todos os dias, mas nunca pelos mesmos lugares. Porque mesmo que seja o mesmo nome de rua, ela já mudou de um dia para o outro, de um segundo para o outro.

Assim é com o corpo. Assim é conosco. Assim é. Mas perceber essa diferença é um exercício de repetição. Só passando muitas vezes pela mesma rua, para poder conhecê-la tão bem, que possa se perceber o que mudou, de um dia para o outro, de um momento para o outro.

Quando se sente empolgado com uma coisa que você já fez muitas vezes, pode ser porque agora percebe diferença, fruto do fazer. Isso se for algo que se faz por vontade por desejo. Isso é estudo. O ser que não desiste ante as primeiras dificuldades, que se permite tentar, errar e acertar num fazer, qualquer que seja, corre o risco de descobrir neste fazer coisas que os demais nem se quer imaginam.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

As vezes: tão vezes, quanto for o mundo

Divêrjo

O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.


João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas

A TERRA

Penso na troca de favores que se estabelece; no mutualismo; no amparo que as espécies se dão. Nas descargas de ajudas; no equilíbrio que ali se completa entre os rascunhos da vida dos seres minúsculos. Entre os corpos truncados. As teias ainda sem aranha. Os olhos ainda sem luz. As penas sem movimento. Os remendos de vermes. Os bulbos de cobras. Arquétipos de carunchos.

Manoel de Barros. Pantanal.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Retorno

Freqüentemente me reporto a imagem de um retorno ante a si: ao que sé é, ao que se foi, ao como se sente, se percebe, e se percebe pelos outros, ou de quais são esses mecanismos que, talvez ao modo de um espelho, nos aponto uma determinada forma de ser e estar consigo e com os outros no mundo.

Penso em um retorno, que não se distancia do eterno retorno de Nietzsche, mas que também não o é. Retorno: tornar-se a si, não bem como um espelho, por sua carência de perspectiva, mas como um espírito que sobrevoa o corpo, mas o corpo ainda em vida. Ou a exemplo da ficção em filmes como “De volta para o futuro”, onde pode se encontrar em um dado momento histórico e se observar.

A brevidade desta questão nos incursos de meus pensamentos e estudos não permitiram um estratificação de possibilidades e formas, mas uma solta análise do possível. Das mais consistentes, no sentido do estudo, está a arte, como possibilidade deste retorno. Como a crítica que põe em crise este ser no encontro com a arte. Como o riso, que do outro, com o outro, enquanto ri de si. Mas outras formas também são elaboradas de acordo com o seu campo de estudo, na psicologia, ou na fisioterapia, entre outros, de acordo com seu plano de imanência.

Plano de imanência, Deleuze e Guattari, O que é a Filosofia?

A filosofia também pensa esse retorno. Talvez seja este o tema mais recorrente, o motivo da filosofia ser filosofia: as inquietações ante o mundo, mas principalmente ante a si, pois o mundo passa por si antes de ser mundo.

Mas de alguma forma, me parece que este retorno, na psicologia, fisioterapia, filosofia, ou outros campos de estudo, buscam uma neutralidade, transpondo este retorno não a si, mas ao outro, como um exemplar humano, que incluiria também a si. Se estuda, se pensa, se analisa o outro, mas com um distanciamento que não toca diretamente a si, a não ser num segundo momento, quando se pensa as teorias e suas implicações sobre si.

Este retorno que penso, não se daria sem um soco na boca do estômago, ou uma rasteira num tombo de muito mal jeito. Não seria sem uma falta momentânea de ar, até quase o desmaio. Não seria se não algo intenso, como uma tal desestabilização do ser, que se não levasse a loucura, o levaria para um outro plano, não necessariamente mais superior, mas, no mínimo, mais intenso. Com a intensidade do olhar no olho, da pele com a pele, do corpo-a-corpo: mas trata-se do mesmo corpo. Era esse risco da loucura, que fazia com que os personagens do filme não se permitissem encontrar consigo, no passado ou futuro.

Continuo com a arte, continuo tendo nela uma forma desse retorno. Mas também penso no oriente, na meditação. Como também não descarto os alucinógenos, as drogas, embora esses possam levar a uma desterritorialização tão intensa, que não permita um resto de terra, onde se reconstruir, se territorializar depois. Um queda demasiado grande, onde se desceria em termos intensivos ou energético, em potência, após o efeito desse agente externo.

Voltar-se-para não implica somente se desviar, mas enfrentar, voltar-se, retornar, perder-se, apagar-se. (Deleuze e Guattari, O que é a Filosofia? P. 55)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Colóquio dentro de um ser

Mas mudando de assunto, li ontem com Paul Valéry, o seguinte diálogo, que me apetece acrescentar aqui. Momentos passados, passando, repassando. Escolhas que temos que assumir, outras ainda por vir. Me tocou tal diálogo, pelo momento em que passo, e também passam outros por momentos parecidos, pelo que sei das conversar perdidas pela rua.
Esse diálogo se chama Colóquio dentro de um ser.

A
- Chora, mas vive! Sai do estado de larva. Desembaraça-me dessa miserável mistura de sensações equivalentes, de lembranças sem serventia, de sonhos sem lastro, de previsões sem consistência... Chama à ordem, reúne todas essas pequenas forças não-orientadas que se dispersam em tua fadiga. Tua Fraqueza nada mais é que a confusão de todas elas. Vamos, separa-me todas essas espécies: junta tuas energias de mesma natureza; não mistura mais o verdadeiro com o falso; cada um deve servir em seu momento! Organiza as diversas partes do tempo complexo, que te permitem fazer aquilo que não é agir sobre o que é, e o que é sobre o que não é... Comanda bem tuas pernas e teus braços, e sente teu poder até as extremidades de teu império sobre esses membros. Apropria-te de teu olhar, e faze o espaço, em vez de sofrer todos os acidentes da extensão colorida... Desenha pois, de teu olhar em movimento, a figura nítida dos objetos. Assegura-te também de tua potência interior. Exige, exerce, excita a liberdade geral dos termos e das formas de tua linguagem; desperta os mecanismos de combinação, de transposição, de articulação das idéias e de distinção dos conceitos...

.......

B
- E então... farei o que é preciso. Sinto em mim de repente uma extraordinária energia. Vejo-me carregado de vida e quase embaraçado por uma liberdade de pensar e de agir que me invade, como que fortemente excitada pela iminência das dificuldades e dos aborrecimentos que há pouco me abatiam a alma.

A
- Atenção! Fico encantado de te ver tão diferente daquele que com tantos esforços arranquei do estado de vida confusa. Aprecio verdadeiramente tua metamorfose. Nada eras, e farás tudo! Mas toma cuidado... Não abusa desse vigor. A noite existe. Sempre vem.

B
- Crês que minha lucidez não a veja aproximar-se? Crês que não pensa em seu próprio crepúsculo – e mesmo que não o admire? Não é uma suprema maravilha pensar que possuímos em nós aquilo que nos faz desaparecer – enquanto que todas as coisas, como que capturtadas, o que quer que sejam , numa única e mesma rede que a arrasta insensivelmente rumo a sombra – as pessoas, os pensamentos, os desejos, os valores, os bens e os males, e meu corpo e os deuses, se retiram, se dissolvem, se aniquilam, se obscurecem juntos?... Nada aconteceu. Tudo se apaga ao mesmo tempo. É bonito? Quando o navio afunda, o céu desmaia e o mar evapora...
Mas por enquanto, amigo, olha como este punho é firme. Bate na mesa. A mesa força está em meu coração, que é maciço como ele, bate em cheio o tempo de meu poder! Eu sou medida e desmedia, rigor e ternura, desejo e desdém: eu me consumo e me acumulo: eu me amo e me odeio, e sinto-me, da testa a ponta dos pés, aceitando-me tal como sou, como eu for, respondendo com todo o meu ser à questão mais simples do mundo: que pode um homem?


Depois disto, sem mais o que escrever.


Paul Valéry. A Alma e a Dança e outros diálogos. Rio de Janeiro: Imago Ed. 2005.

Citações Barthes

Do Incidentes. Do gosto de minha amiga Ana:

"(...) Nada, por exemplo, tem mais importância na minha lembrança do que os odores daquele bairro antigo, entre Nive e Adour, que se chama pequena Bayonne: todos os objetos do pequeno comércio ali se mesclavam para compor uma fragrância inimitável: a corda das sandálias (aqui não se diz 'espadrilles') trabalhada por velhos bascos, o chocolate, o azeite espanhol, o ar confinado das lojas escuras e das ruas estreitas, o papel envelhecido dos livros da biblioteca municipal, tudo isso funcionava como a fórmula química de um comércio que já desapareceu (embora esse bairro ainda conserve um pouco desse charme antigo), ou, mais exatamente, funciona hoje como a fórmula dessa desaparecimento.
Pelo cheiro, é a própria mudança de um tipo de consumo que eu capto: as sandálias (com as solas
tristemente revestidas de borracha) já não são artesanais, o chocolate e o azeite se compram fora da cidade, num supermercado. Acabaram-se os cheiros, como se, paradoxalmente, os progressos da poluição urbana expulsassem os perfumes caseiros, como se a 'pureza' fosse uma forma pérfida de poluição."



"Pois 'ler' uma região é primeiro percebê-la segundo o corpo e a memória, segundo a memória do corpo. (...)Por isso a infância é a via régia pela qual conhecemos melhor um país. No fundo, não existe país senão o da infância."

Na mesma linha sincronica...

Outro fato. Talvez sincronicidade, mas que foi muito engraçado.

Estava eu em Belo Horizonte, recém chegado, faziam umas 3 horas, para o Festival Mundial de Circo do Brasil, e conhecendo a cidade. Meu guia, Rafa, me apresentava a Avenida Afonso Pena, o Parque Muncipal, quando parados na sinaleira, alguém me toca o ombro e esboça a solicitação de uma informação geográfica, no que eu já começo a rir: tanta gente pra pedir informação e vai logo pedir pra um gaúcho mais perdido que qualquer outro ser em Belo Horizonte?! Somente isso já era suficiente pra me divertir (aliás, tudo é divertido para um turista), mas não era só. Bastou eu me virar, esboçando um "Bá amigo, sou gaúcho, não conheço nada aqui!" para encontrar a minha frente Vitor, vugo Queridão, amigo também malabarista, recém chegado de Campinas. Agora pensa: qual a chance disso acontecer?

O mundo é mesmo pequeno...

Ou melhor, como dizia o Profeta Gentileza: o mundo é redondo, e o circo arredondado.

Todo se Transforma

Tu beso se hizo calor,
Luego el calor, movimiento,
Luego gota de sudor
Que se hizo vapor, luego viento
Que en un rincón de la rioja
Movió el aspa de un molino
Mientras se pisaba el vino
Que bebió tu boca roja.

Tu boca roja en la mía,
La copa que gira en mi mano,
Y mientras el vino caíaS
upe que de algún lejano
Rincón de otra galaxia,
El amor que me darías,
Transformado, volvería
Un día a darte las gracias.

Cada uno da lo que recibe
Y luego recibe lo que da,
Nada es más simple,
No hay otra norma:
Nada se pierde,
Todo se transforma.

El vino que pagué yo,
Con aquel euro italiano
Que había estado en un vagón
Antes de estar en mi mano,
Y antes de eso en torino,
Y antes de torino, en prato,
Donde hicieron mi zapato
Sobre el que caería el vino.

Zapato que en unas horas
Buscaré bajo tu cama
Con las luces de la aurora,
Junto a tus sandalias planas
Que compraste aquella vez
En salvador de bahía,
Donde a otro diste el amor
Que hoy yo te devolvería

Cada uno da lo que recibe
Y luego recibe lo que da,
Nada es más simple,
No hay otra norma:
Nada se pierde,
Todo se transforma.

Sincronicidade

Termo cunhado por Carl Gustav Jung para sua teoria de que tudo no universo estava interligado por um tipo de vibração, e que duas dimensões (física e não física) estavam em algum tipo de sincronia, que fazia certos eventos isolados parecerem repetidos, em perspectivas diferentes. Tal idéia desenvolveu-se primeiramente em conversas com Albert Einstein, quando ele estava começando a desenvolver a Teoria da Relatividade. Einstein levou a idéia adiante no campo físico, e Jung, no psíquico. 1

Já pensaste nisso? Sentiste, passaste? Provavelmente.

Então, ontem passei por uma situação intrigante. Estava no Parque Farroupilha, mais conhecido como Redenção, como de costume. Realizava meu treino de malabarismo, e como é de praxe, escutava música com meu mp3 player. Tento criar um campo entre eu, as bolas e a música em meus ouvidos, que não permitem que muitos outros sons entrem, nem sentidos, uma busca de foco.

Mas ontem, desde o momento em que cheguei, me chamou a atenção um grupo que estava sentado junto ao espaço onde os malabaristas costumam permanecer. Um deles tocava um violão. Eu não os ouvia, buscava a concentração no jogo, no treino, e ouvia Jorge Drexler, Todo se Transforma. Foi nesse contexto, que por algum motivo, (talvez tenha ouvido por traz do Drexler um outro que o repetia, não lembro) mas tirei os fones do ouvido. Bom, preciso dizer o que o maluco do violão cantava? Cada uno da, lo que recibe. Y luego recibe lo que da. Nada es más simple, no hay otra norma: nada se pierde, Todo se transforma!

Agora, pensem comigo: nada tão impressionante se a música fosse Legião Urbana, mas Jorge Drexler?! Um uruguaio que nem tão conhecido por aqui é.

Sincronicidade?

Bom, nem conheço esse conceito, fora uma simples pesquisa na internet, mas tenho motivos para tanto.

Um pouco mais que um mês passado eu conversava com uma amiga distante pela internet, falávamos sobre Roland Barthes, filosofo francês querido por mim e também conhecido dela. Ela me dizia os livros que tinha e um deles em especial, conhecido, chamado Incidentes. O livro ela ainda não havia lido, pois, originalmente, nem era seu. Bom, aconteceu que nos dias seguintes nos reencontramos no MSN quando ela me contou o seguinte fato: na noite da nossa conversa ela acordou, com o sono interrompido, sentiu uma vontade de ler o Incidentes do Barthes. Abriu o livro e leu a seguinte frase: Hoje, 17 de julho, faz um tempo esplêndido.

Era dia 17 de julho.

Hoje, eu treinava: tecido e eu. O cd que tocava chegou ao fim, e minha colega que estava no chão me perguntou se eu queria músicas no mesmo estilo daquelas, eu respondi que sim. Logo que senti as músicas, me agradaram, mesmo sendo de origem desconhecida por mim. Lembrei de outra música. Esta outra, era a trilha usada por outro artista circense num número de acrobacia aérea em tecido. Num dia, em Montenegro, quatro ou cinco anos atrás, apresentamos juntos, com sua música, que eu na época desconhecia. E depois disso a ouvi mais umas duas ou três vezes, em situações diferentes. Continuando sem saber referências dela.

No final do treino, alguns minutos depois, eu comentava o quanto eram boas as músicas, então ela me disse: “põe na trilha onze, é muito boa”. Nesse momento, antes mesmo de ouvi-lá, eu tive certeza de que se tratava da mesma música de quatro ou cinco anos atrás.

Pedi o cd emprestado. Acabei de copiá-lo.

Sincronicidade?

Incidentes?

Cada um dá o que recebe, logo recebe o que dá. Nada é mais simples, não há outra norma: Nada se perde, tudo se transforma!


1 Site: http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/conteudo.asp?id=3425
Sobre Drexler: www.jorgedrexler.com

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Eu eu e eu

Barthes, Barthes...


Sim. E eu, sujeito do enunciado, que tanto pensa em estraçalhar no texto o eu, que pensa em fazer do texto algo menos eu, e mais outra coisa, nesses dias, por todas voltas e reviravoltas, ando meio em torno do meu umbigo: para onde ele vai? Nada tão egocêntrico, quanto introspectivo. Qual é mesmo a diferença?

A escritura faz do saber uma festa. Fato. E no escrever, jogo na tela o que me incomoda, assim posso olhá-lo de longe. E ele a mim. E me rever. Transver. Careço de análises mais elaboradas, mas no momento é uma questão de visibilidades: primeiro por a prova, para depois provar. Há aí um divertido jogo!

Mas devo dizer que é tudo um grande exagero. Pois sim.

e fechando a trilogia Barthesiana...

Segundo o discurso da ciência - ou segundo certo discurso da ciência - o saber é um enunciado; na escritura, ele é uma enunciação. O enunciado, o objeto habitual da linguística, é dado como o produto de uma ausência do enunciador. A enunciação, por sua vez, expondo o lugar e a energia do sujeito, quiça sua falta (que não é sua ausência), visa o próprio real da linguagem; ela reconhece que a língua é um imenso halo de implicações, de efeitos, de repercussões, de voltas, de rodeios, de redentes; ela assume o fazer ouvir um sujeito ao mesmo tempo insistente e insituável, desconhecido e no entanto reconhecido segundo uma inquietante familiaridade: as palavras não são mais concebidas ilusoriamente como simples instrumentos, são lançadas como projeções, explosões, vibrações, maquinarias, sabores: a escritura faz do saber uma festa.


Barthes. Aula.

Meu corpo é bem mais velho do que eu

... Meu corpo é bem mais velho do que eu, como se conservássemos sempre a idade dos medos sociais com os quais o acaso da vida nos pôs em contato. Portanto, se quero viver, devo esquecer que meu corpo é histórico, devo lançar-me na ilusão de que sou contemporâneo dos jovens corpos presentes, e não de meu próprio corpo, passado. Em síntese; periodicamente, devo renascer, fazer-me mais jovem do que sou...

Barthes. Aula.

Sapientia!!!

Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda a vida viva: o esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia: nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de sabor possível.

Roland Barthes. Aula. Editora Cultrix, São Paulo: 2007.

Sei não

Pegue um liquidificador, jogue dentro: pensamentos e sentimentos, lembranças e memórias, atitudes e comportamentos, certezas e dúvidas, caminhos e trajetos, concentração e dispersão. O que acontece?

Não sei.

Quantas vezes perder-se, para encontrar-se? É possível se perder, já estando perdido? É possível se encontrar, sem ter se perdido? Possível nunca se perder?

Não sei.

Tudo que sei, é que o que sei, anda meio duvidoso. Mais fácil no momento fazer perguntas e frases meio que desconexas. Assumir. Deito na rede do tempo, logo algo deve acontecer. Ou caminho? Sei não, sei não.

Esquecimento

Se a cada passo tudo muda, se a cada mudança nada fica, se a cada vez somos outros, o que resta? Nem restos?

Vida louca, vida...

Já foi dito da importância do esquecimento. Dou pleno acordo. Mas apenas se o esquecimento for parte de uma recomposição: se esquece algo, para depois reencontrá-lo com outro sabor. Ou seja, esquece, mas não joga fora. Se assim fosse voltaríamos ao zero, sempre. Não é. Esquece, mas continua por ali. Já encontrou um dinheiro num bolso que era pra estar vazio?

Quase uma teoria da reciclagem.

Alegria, alegria!

Vida breve... Já que eu não posso, te levar, quero que você me leve.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Tauá

Chegado de viagem, coisas muitas para resolver. Pouco tempo para escrever. Em três dias outra viagem. A próxima: Belo Horizonte - Minas Gerais para o Festival Mundial de Circo do Brasil. A anterior: Tauá – Ceará para o IV Festival dos Inhamuns – Circo, Bonecos e Artes de Rua, com o Circo Girassol.

Mesmo com todos os compromisso por resolver antes da próxima viagem, faço um esforço para registrar o que trago de Tauá, antes que por um ou outro motivo algo se perca. Sempre procuro tempo e paciência para escrever, não é este agora o caso. Mas é o que tenho, e temos o que temos. Redundância necessária: uma auto-afirmação que assume o limite atual para agir, mas com multiplas possibilidades. Acontecimentos muito mais velozes que minha capacidade de pensá-los. Tento ao menos senti-los.

Tauá
Cidade de muitos gatos
Muitos sapos
Muriçocas
Potós
Motos acrobáticas sem capacetes
Paus- de- arara
Cidade pequena
Quente
Não tão quente, não tão pequena
Cidade de casinhas a beira da calçada
Cidade de gente
Para onde levamos nossa arte
Nosso corpo, nosso ser
De onde trazemos
Alegria, carinho, paciência
Generosidade, atenção, força
Tudo dentro de uma grande mala
Atrás do nariz de palhaço: saudade
Por tudo, figurino, corpo: saudade
Mas também muita alegria
Energia renovada
E por entre acrobacias, equilíbrios e malabarismos
A vontade de continuar levando a nossa arte onde o povo está

Tanta coisa para escrever... Mas os dedos não recebem informações conexas, lógicas.
Frases soltas...
Dispersão...

Felicidade: viajar, conhecer pessoas, se perceber importante para elas, se ver motivando outras com o que faz.

Quatorze dias de convivência.
Viajamos para ensinar com oficinas, para apresentar nosso espetáculo. Mas fomos acolhidos de tal forma, que mal sabíamos como agir. O carinho e a atenção das pessoas, em alguns momentos me deixavam constrangido, como dizendo em silêncio: eu não mereço tanto. Simultaneamente alegre, por estar realizando está troca: de carinho, de sotaques, de cultura, de experiências, de arte, de energia.

Trago-me outro do sertão. A seca floresceu em mim flores, quem sabe frutos, que nem sei bem, mas sei. Obrigado Tauá.

p.s.: das citações abaixo anteriores.
A da onça cantávamos durante a oficina dramaturgia do palhaço, com Luíz Carlos Vaconcelos, o palhaço Xuxu.
A do Tumtumtum é parte da coreografia da quadrilha do Grupo Flor do Mandacarú.
Da oficina: novas idéias e a motivação para pesquisar mais o universo do palhaço.
Da quadrilha: a energia, a raça de um grupo unido em prol de uma tradição, de uma arte, de um amor.

Talvez mais tarde escrevo um pouco sobre cada um desses encontros marcantes.

Flor do mandacarú

No tumtumtum do meu coração
Vou te mostrar a minha paixão

Sou mamulendo e vou te emocionar
Sou mamulengo e vou te encantar

O arraiá to todo enfeitado
Tem comida e quentão pra todo lado

Boa noite, quem vem de cá
Boa noite, quem vem de lá

O arraiá ta todo enfeitado
Quem tá sentado tem que se alevantá

Música para aquecer

Eu vi uma onça gemer na mata do arvoredo
Eu vi uma onça gemer na mata do arvoredo
Olelê São João, me vale a São Pedro
De onça eu não tenho medo
Olelê São João, me vale a São Pedro
De onça eu não tenho medo
Ô de onça eu não tenho medo
Ô de onça eu não tenho medo

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Caminho

Caminho no caminho. Que sou? Quem és?

Soluções

Encontrar soluções. Resolver problemas. Agir. Um passo, outro passo. Muro. Meia volta. Outro passo, opa, tropeço, Clac. Um sorriso, outro. Uma pirueta, duas piruetas, bravo, bravo! Um vinho, arroz, saladas. Café, chocolate. Uma briga, outras pazes. Um telefone, uma caminhada. Ônibus, outro ônibus, um ensaio. Reunião, outro ensaio. Pare, olhe, pense. Penso, logo existo! Penso no que? Penso, ou sou repetidor? Caminho. Altero, diminuo. Penso. Concluo. Mudo de idéia em seguida. Caminho. Paro, mas continuo em movimento: interno, pensamentos. Evolução. Involução. Coisas grandes, pequenas. Saber mensurar. Grande no tamanho, pequena em importância. Grande em extensão, pequena em intensidade. Atos. Ações. Potência: nas teorias do movimento: força x velocidade. Estudo. Treino. Livros. Computadores. Mais arroz, feijão. Calma, respira. Apnéia. Chão. Pés no chão, mãos, corpo. No ar: cabeça, poeira. No peito: músculos. No coração: sangue. No sangue: o vermelho. No vermelho: esquerda. Na esquerda: um opção. Na direita: outra. E a cada lado: novas esquerdas e direitas. Possibilidades. Variáveis. Opções mais ou menos viáveis. Agir. Resolver problemas. Encontrar soluções.

Agressivo

Velocidade da marcha: indefinida.
Tom de voz: agressivo.
Pressa.

Atos revirados, exageros. Mas assim parece pedir a contra-marcha da vida. Contra as vontades, contra a energia. Amarrações impossibilitando os movimentos: esperar a verba, encontrar formas possíveis, tempo.

De alguma forma, por algum motivo, estamos aqui. Quais são estes? Não me parece que estamos à altura de responder. Talvez mais altos, talvez mais baixos, talvez tamanho não seja a medida. Mas estamos. Estar. Parece-me que outro verbo pede o encontro com o anterior: se entregar. Ao que estamos, nos entregamos. Exatamente ao que, não sabemos.

Se entregar, como quem agarrado forte no que deseja, cai no mais profundo abismo. Como quem não sabe, mas intui. Buscar a intensidade. Mas saber conjugá-la com outras intensidades, com outros. Mas estamos todos entregues? Metade do corpo aqui, metade lá. Ora trabalho, ora lazer. A forma de ganhar dinheiro. Ganhar a vida. Me encontro em outro posto: nunca ganhei a vida: sempre fui pegá-la. E ela escapa. As vezes, ironicamente, vem dócil, para depois, fugia, ir adiante, como quem dissesse: “vem! A vida é isso: não é. Siga a busca.” Justamente, ela não é. Nessas quatro letras cabe o mundo, cabem todas as experiências, todos os seres.

Agressividade. É o que nos faz pensar, uma agressão do mundo, o estranho, a dúvida. O tapa na cara que levamos toda vez que olhamos adiante. Mas há de ficarmos fortes, e este tapa, se tornará uma carícia. Mas enquanto isso não chega, é o momento da batalha, a emergência da luta: contra nossas limitações, as da sociedade, as do outro. Agressividade não como violência, mas como ação ofensiva, a postos, adiante. Existe a espera, mas esta se dá em movimento, como quem andando, espera chegar. Andamos, corremos, saltamos, caímos, levantamos, rolamos, suamos, cantamos, dançamos, seguimos: não necessariamente em linha reta, necessariamente com rota definida, mas seguimos.

sábado, 23 de maio de 2009

Laços

Da forma líquida, fugidia da vida contemporânea, restam os laços para nos oferecer segurança e conforto. Um porto, ou uma âncora, um recurso regulador dos fatos, um outro para se ver, para espelhar. Um outro para ver, e para ser visto. Para provir certezas: como estar certo na solidão? Como saber de onde surgem nossos pensamentos, se são produzidos com certificados de bom senso e realismo? Delegar-nos à avaliação de outrem, e neste ver a si, enquanto ser humano, errante, normal, emissor de juízos e opiniões mais ou menos corretos. Já não se casa mais por obrigação, ou se namora por questões de visibilidade ante a sociedade. Os relacionamentos cristalizados por vigência social estão desaparecendo. Eis que insurge outra necessidade: numa sociedade efêmera, se encontra nos relacionamentos a perenidade. Uma forma de contrato: você diz quem eu sou, que eu digo quem você é, e juntos, somos.

O que está em jogo hoje é uma demanda do amor, de sentimento, de paixão, numa época em que a necessidade se faz cruelmente mais intensa. É toda a geração que passou pela liberação do desejo e do prazer, é essa geração cansada de sexo que reinventa o amor como suplemento afetivo ou passional. 1

Há duas grandes linhas, blocos, múltiplas linhas, a que se predispõe esta analise: a dos relacionamentos como um pacto sedutor, uma troca potencializadora, um bocado de terra, para ter o que desterritorializar ante à emergência líquida da vida contemporânea. Noutro bloco: um pedaço de humano à que se agarrar, um foco para dirigir seus olhares e pensamentos, sua atenção e dedicação, suas virtudes e seu lado mais sombrio, seu ser que é e que se oferece ao outro e busca no outro a recíproca.

Num bloco, o encontro, a potência, o grau zero do relacionamento. Longe dos clichês, das predisposições e pré-conceitos: a multiplicidade, o devir. Algo difícil de se produzir numa sociedade que traz os resquícios morais dos mais variados, por uma lado, e a necessidade de apego, dos mais variados, por outro. Aí insurge o segundo bloco. Noutro extremo.

Outras linhas de ação. Recusar a transferência das decisões de um lado ao outro. Recusar a segurança, ao espelho. Recusar ao outro. Recusar à visibilidade. Aceitar a possibilidade de desaparecer, da transparência de si. Buscar no silêncio, na solidão, a fortificação, a auto construção no dia-a-dia. Se trata de um ato de coragem, de aceitação. Entregar-se a incerteza da vida, que não é poética, ou transcendente, mas imanente. Prender a respiração e mergulhar: ou se afoga, ou adapta-se ao meio líquido, como o personagem do filme Waterworld - O segredo das águas.

Não se trata de uma vida de solidão. Mesmo que exista esta possibilidade. Mas é talvez na solidão que se pode se entregar a multiplicidade da vida, tornando-a mais perceptível, aguçando os sentidos, exercitando pensamentos. Depois disso, qualquer relacionamento pode ser potencializador. Pois há em si a potência e a abertura perceptiva e receptiva à potência do outro: quer seja pessoa, objeto, ou acontecimento.


1 Jean Baudrillard. As estratégias Fatais. Rocco: Rio de Janeiro, 1996.

terça-feira, 28 de abril de 2009

filoSOFIA

Manuel, o de barro, nasceu com um ermo dentro do olho, eu nasci com um defeito de lógica dentro da cabeça, bem lá onde se juntam as palavras. Manuel, por motivo do ermo, não foi um menino peralta. Eu, por motivo de ilógica, não sou bom em obviedades.

Foi Manuel quem me explicou que as palavras possuem no corpo muitas oralidade remontadas e muitas significâncias remontadas. Não sou bom em ouvir essas oralidades. Ao menos não as óbvias. Também não tenho boa memória específica. Mas tenho boa memória inespecífica: lembro que num sucessivo fatoar dos fatos, tenho percebido que, principalmente devido ao dizer dos outros, me dou por conta que a palavra aquela, é a mesma dessa: mesmas letras, formas. Intrigantemente, a mim, nunca foram.

Estou confusando os escritos. Vou aqui esparramar pedaços dum fato desses, que por ter sido em ato ontem, em memória hoje ainda é. É de comum provável conhecimento da maioria o livro O mundo de Sofia. Bom livro por sinal: li ele uma vezes e um quarto. O um quarto foi na cadeira de filosofia. Me apeteceu saber que Sofia é conhecimento. Está palavra é aquela, mas não é mais é ela. Sabendo que o livro é um romance sobre a história da filosofia, me parece um nome adequado. Agora a verificação da minha ilógica: fazem quatro anos que li este livro, já emprestei para meus dois irmão mais novos, agora emprestei para o terceiro mais novo, e mais velho dentre eles, mas mais novo do que eu, que sou o mais velho dos quatro. Ontem, somente ontem, percebi: a Sofia do livro, aquela cujo o nome significa conhecimento, é o sufixo da palavra filosofia. filoSOFIA! Fiquei escabrado!

Nas palavras do meu irmão pude ouvir. Mas somente num segundo momento, quando ele me explicou. Nunca, nesses mais de quatro anos, nas mais de trezentas páginas e um quarto, havia me apercebido disto! Se me falta um parafuso, como a muito desconfio, ele caiu dessa máquina aí de juntar palavras.

No entanto, tanto mal sou em juntar palavras, quanto menos mal sou em rodear com elas. Pois me parece que a palavra é pictórica, imagética, performática. Ao menos na minha cachola. Pois quando leio Sofia, leio a imagem da menina que recebia cartas de um estranho e a lia sob uma sebe, se não me engana a memória falha. Como imageticar a Sofia, menina bonita, correndo por sobre uma folha branca ao encontro de Filo, simpático moço, se unindo num caloroso abraço. Sofiafilo!

A palavra sonha, disse-me uma amiga (acho que foi Bachelard que contou para ela). Da materialidade da palavra em si voam pássaros, dançam bailarinas. Se torcê-la bem, pode escorrer água, vinho, ou até xixi. Se largá-la no chão pode quebrar, ou quicar. Se jogar para cima pode ser um foguete, ou um acrobata. E na queda, se não pegar pode ser um machucado, se pegar, um malabarista.

Sei não, ilógica de nascença pode não ter cura. Mas a lógica com o seu prefixo ló, o mesmo de lóbulo e pão-de-ló, seu meiofixo gi, usado também em gengiva, mais seu sufixo ca, de careca, pode é render um defeito de visão. Visão: palavra formada pelo prefixo vi, nenhum meiofixo, mais o sufixo são, os mesmo usados na nem tanto conhecida prerrogativa: vi, logo são!

Creio que esse defeito é o grande mal da contemporaneidade. Mas poucos percebem aí um defeito. Ao contrário, antes uma qualidade, antes uma necessidade. Há a tendência de se ter bons olhos que funcionam mais ou menos assim: duas bolinhas de vidro, pintadas intra-uterinamente, que contém ao lado de dentro um são pra cada coisa do lado de fora. Desta forma não precisa o ser preocupar-se em demasia com pensamentos: o olho vê, e por um sistema apurado de refração auto-invertida transversalmente, aloja a imagem no seu respectivo são, logo essa individualidade é repassada ao cérebro por um processo de osmose óculo-cerebral. Todo esse processo ocorre, como se pode perceber, num infinitésimo de milésimo de segundo. Esse processo, denominado de visão Lógico-sãosística, é também conhecido pela neurologia como Engrama.

As bolinhas nascem com a cabeça, que vem junto com todos os acessórios: o corpo. Mas esta definição do que é o primordial e o que é secundário, não nasce junto ao nascer, vem depois, dentro deste processo de aquisição dos sãos, que se dá ao longo da vida, arbitrariamente. Mas existem variáveis. As mais comuns são pessoas que tem um problema no mecanismo de refração auto-invertida transversalmente e por isso confundem as coisas. Outras, por influências diversas, adquirem não um são, mas um parece, ou ainda um o que é isso?. Ademais, em casos mais raros, o indivíduo não desenvolve esse mecanismo. Desconfio que seja esse o caso de Manoel, que afirma: tudo o que não invento é falso.

Há também estudos que buscam formas de inverter este processo lógico-sãosístico. Eles se desmembram em dois seguimentos de estudos, um no campo do esquecimento, outro no campo da arte.

Já eu, que não sou cientista, nem lógico, e nem me preocupo tanto com esse meu defeito de nascença, estou por aí a ser. Mas que coisa sou? Pergunte a alguém com a visão lógico-sãosística, pois eu estarei ocupado, encontrando Manuel no meio das palavras, escovando-as, trangalhadanças que sou, feliz de boca larga e dente de feijão.

sábado, 18 de abril de 2009

Textinho acalma-mãe

Insiste em me dizer que quando eu tiver um filho irei entender. Como que com isso me despe, fico nu ante a impossibilidade de resposta, como sou filho, e não pai, sou despido de todos os argumentos. Ou quem sabe me dizes isso para se justificar, como se justificando ante a possibilidade de ser preocupada em excesso, ou invasiva, ou exagerada. Enfim, mãe.
Me dizes que se preocupa, que não sabe se os caminhos por onde ando me levarão para algum lugar. Sem talvez se perguntar se eu quero chegar em algum lugar. Ainda mais quando esse lugar é: estabilidade, aposentadoria, salário fixo, um carro. Não quero nenhum desses lugares. Meus lugares são transitórios: cada passo é um lugar. Tenho então uma paisagem, como uma bela pintura: tons entre as lágrimas e os sorrisos, timbres feitos de experiências.

Sim, sou um artista. E você se pergunta como, se não há na família outro, e minha educação tampouco apontou para este lado. Como cheguei neste lugar? Não posso dizer que escolhi ser artista, é mais certo que ser artista escolheu ser eu. Como é certo que uso com receio o me dizer artista, como é certo que ao me dedicar a isto, de alguma forma o sou, como é certo que nada não posso ser. Um caminho: onde estudo, pesquiso, treino, aprendo a cada dia. Dias instáveis, com salários pairantes, à passos de All Star, pedalas, bancos de ônibus. Sem esquecer das calças de doze reais comparadas na Voluntários e cortadas logo abaixo do joelho. Sei que não me criou para ser assim. Sei.

Me diz que posso estar usando pouco a minha inteligência. Fico a pensar o que seria esta inteligência, e de que forma “aplicá-la” melhor. Até encontrar esta forma, uso ela nos pensares sobre como nos relacionamos com o mundo, com as pessoas, consigo, de que forma se apropriaram de mim os vícios de comportamento, ou eu deles, como fazer deste corpo outro, outros gestos, movimentos, fazendo deles algo que seja potencializador de pensamentos em outros, que instigue o público, “alunos”, colegas.

Usar a inteligência medicando? Legislando? Construindo prédios? Podia. Mas sou artista. Não menos que nenhum deles. Diferente. Menos e mais no que cada um se propõe a fazer. Não posso medicar, mas posso provocar sorrisos. Não posso criar leis, mas posso estimular sensações. Não posso construir prédios, mas posso destruir verdades, posso construir buracos, onde alguém pode se perder, para daí talvez se encontrar, diferente. E antes que se esqueça: sou artista.

É certo que mentiras repetidas muitas vezes, no fim das contas são tomadas por verdades. Como uma palavra que se pronuncia tão rápido que vira outra coisa. E de tanto repetirem da importância do ter, da estabilidade financeira, do status de determinada colocação social, os mais desapercebidos podem acreditar que isso é o essencial. Podem esquecer que se, por traz desses quesitos que giram em torno do dinheiro, não houverem experiências e sentimentos dos mais variados, e se esses não forem recebidos e vividos, mas sim engolidos a contra-gosto à mando do tempo que é empurrado pelo ponteiro do relógio, não há status ou dinheiro que te faça feliz. E como feliz não me diz muito, acrescento o conceito de Alegria de Espinosa, como potencialização do ser (como vê, até sou inteligente, mas talvez de uma forma menos convencional).
E pra terminar, vou lembrar a frase com a qual iniciei o meu discurso de orador, no momento da minha formatura no curso de Educação Física, esse momento em que você ficou tão feliz, mesmo sabendo não ser esta uma profissão tão promissora. Mal sabia você que além de educador físico, eu optaria por ser uma artista. Caiu o mundo. Disse Guimarães Rosa, mais ou menos assim: o mais importante não é nem a partida, nem a chegada, e sim, a travessia.
Pois estou em plena travessia: ora caminhando, ora correndo, ora saltando, ora malabariando, ora dançando, ora escrevendo, ora chorando, ora dormindo, ora ensinado, ora rindo, ora me pendurando, vivendo... E a chegada? Quem chega é entregador de pizza, carteiro, corredor de maratona, bebê, ou dor de cabeça, mas eu sou é artista.
Fim do texto. Mas antes que eu me esqueça: Primeiro: o quanto se recebe, financeiramente, está, ao meu ver, mais relacionado com a dedicação e a atenção na sua profissão, do que com a profissão em si. E antes que algum leitor não-minha-mãe pense que sou um pé rapado, digo que não, e deve aqui ser o suficiente. Segundo: da minha colocação como filho-que-não-é-pai posso dizer que de alguma forma entendo sua preocupação de mãe. Como todos os filhos. E como eu. Mas e se eu não me preocupo comigo? É certo eu me preocupar com a preocupação que você tem comigo? Uma boa pergunta para todos os pais. Terceiro: obrigado por ser minha mãe nesse vinte e alguns anos, imagino que não tenha sido fácil. Mas não se estresse muito, pois outros anos virão.

Pedacinhos de ouro?

Se o momento não é dos mais frutíferos em termos de práticas de escrita, gosto de pensar que é porque estou a plantar, e a colheita será farta. Um pequeno exagero, pois certamente não é nessa lógica de causa e efeito, somando-se migalhas, para fazer um pão, que as coisas do mundo são feitas. De qualquer forma há de se considerar que a escrita é irrealizável sem a leitura. Que seja, no mínimo, no reler-se. Mas bons textos são fruto do tempo. Tempo como um espaço preenchido com leituras e pensamentos e escrituras. Espaços refeitos passo-a-passo, no tornar-se tempo. No espaço-tempo onde me encontro agora (este agora tempo-escrita, deste fazer, que logo pós-feito é texto, texto que se faz outro no momento em que é lido, embora seja o mesmo enquanto agrupamento de símbolos, mas que pode sugerir a quem lê, que o que eu lia no agora, que agora não mais agora é, já não estará mais sendo lido por mim, mas tão pouco isso importa), está co-habitado por Baudrillard, Ferreira Gullar, Manuel de Barros e Saramago. Deste último trago boas sensações minhas do encontro com um texto. De um fragmento dele. Corro o risco delas não irem junto com o fragmento que envio logo abaixo, ou por soltura no momento do transporte, ou por incompatibilidade sensitiva entre diferentes leitores. Mas o que posso eu com as intempéries da vida? Mesmo que: querer é poder! Como também quem planta colhe...

Autoritárias, paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito, também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga maligna, das piores que têm assolado o mundo. Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida.#

# Saramago. A Caverna. Editora Companhia das letras.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O intempestivo

Um vazio entre as postagens. Mas há quem diga que os vazios são indispensáveis.No que eu concordo em grau e gênero. Neste caso, porém, uma substituição de computador me deixou sem arquivos, sem programas e essas coisas que agente está acostumado e não se vira sem. O outro já velho, obsoleto, deixa seu lugar para seu sucessor na escala evolucionária.
Para não deixar um vazio tão grande, vou jogar dentro dele uma citação que há tempos tenho a estima de postar. Tem ela, ao meu ver, algo muito interessante quando se pensa a arte. Se trata do texto da Suely Rolnik, intitulado Ninguém é Deleuziano.

Se definirmos o “intempestivo” exatamente como a emergência de uma diferença desestabilizadora das formas vigentes, a qual nos separa do que somos e nos coloca uma exigência de criação, uma obra de arte intempestiva é aquela que se faz como resposta a uma exigência deste tipo; é só quando isso acontece, a meu ver, que se pode falar em arte.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Da cabeça aos pés

Minha cara está suada da cabeça aos pés!
Disse-me um pequenino.
Como são mais ricos os montes de palavras,
Quando não se sabe falar direito.

Direito de falar certo que se adquire quando cresce.
Mas as crianças não tem direitos assim.
Por isso elas são felizes.

Nós temos direitos e vícios.
De palavras, de gestos, de trajetos.
Temos deveres, temos dinheiro.
Temos trocas,
Que nós trocam por iguais.

Antes de esquecer me lembro deste dito do pequenino.
Sempre acho graça.
E lembro nem sei porque.
Por que caminho, por onde.

Desconfio que por um respiro menos ritmado.
Que para abrir um espaço,
Onde eu possa esquecer que sou trocado,
Viciado.
Onde eu possa ser todo eu, da cabeça aos pés.
Em todas as partes do meu corpo.

Feitoooooo!

A cadeira relativamente confortável. Os pés apoiados sobre a cama. E a bagunça que já nem tanto me incomoda, e cuja organização desisti de adiar e me enganar: deixo ela ali, quando se arrumar é porque não mais adiei. Um certo silêncio habita, hora cortado por sons de carros, outros por vozes mais ou menos longínquas ou meus próprios sons.
O texto é de ótima leitura, um importante filósofo. No entanto, não é das mais corridas, exige um freqüente retorno. A noite anterior dormida pequena reflete agora no sono que teima em se insinuar. O qual nego com café e intensivo esforço de foco no livro.
O silêncio que até então convivia pacificamente com humildes sons é agredido e silenciado por um turbilhão de sons que em segundos cresceram de forma mais ou menos repetitiva. Os quais, equacionando por média, poderiam ser representados assim: Feitooooooooooo!
A atenção adquirida momento a momento, com seus respectivos intervalos de outra coisa qualquer, agora foi surrupiada pela intensidade sonora que poucos ouvidos poderiam ficar alheios.
Abriu ela um vácuo em meu cérebro, arrastando para dentro toda uma memória pseudo-moral que luto para contrariar, enquanto dou voltas para entender.
Por contrariar não vou aqui tratar, já que ainda não entendi. Mas é inegável que me desconcentram essas condutas hegemônicas. Entre elas os sons que invadiram meu quarto sem meu consentimento. Quantos momentos, quantas forças, são capazes de fazer vozes em cantos fechados, enquadradas, em compartimentos inacessíveis entre si, gritarem ao mesmo tempo, as mesmas duas ou quatro palavras?
Ai de mim que não gritei também. Bem dos outros, que num mundo onde se cruzam por tantas pessoas quanto com pensamentos e se fica sozinho na relação transparente com seus comuns, ao menos num momento, num jogo, como outro de outrora, com mesmas cores e regras, dentro da mesma moldura, podem sentir-se junto.

segunda-feira, 16 de março de 2009

passapassará

Tudo passa. De sentimento a ônibus. Quanto ao segundo, lembro de um poema, lido numa de suas paredes: um erro na janela de um ônibus é um erro passageiro. Gostei pelo descompromisso sentimental.
Lembrei também de um livro que li em minha adolescência, onde um velho professor conversava com um seu ex-aluno. E numa dessas conversas disse algo como: deixe o sentimento chegar, sinta, e deixe-o passar. Respeite o tempo.
Hoje foi um bom dia, bons sentimentos. Entre eles motivação nas boas expectativas com relação ao cenário artístico circense de Porto Alegre. Com relação as relações. Uma triste alegria (acho que li isso em Neruda ou Borges) de passados que passaram. Mas quando se perde também se ganha. Um vai e vêm. Tudo passa, volta e revolta. Eterno retorno. E talvez no voltar possa haver a revolta, um contra si mesmo, quando então veremos de frente este que foi e retorna para nos encontrar. Estaremos consistentes para nos vermos de frente? Quem negará o olhar: nós ou nós?
E para concluir uma noite de abundantes postagens, uma frase descompromissada de um bate-papo virtual:
O futuro é uma caixinha de surpresa embrulhada para presente.
Uma boa noite entre as noites. Até a próxima.

A crítica, mais uma vez

Ontem assisti a um espetáculo de dança. Entrei num processo interno depois dele, aquela atitude auto-reguladora: dizer que não gostei, um espetáculo no Teatro São Pedro, lotado, com uma divulgação que poucos espetáculos podem girar? Pois é um espetáculo de dança contemporânea, e talvez eu estaria assim assinando meu atestado de insensível e/ou desentendido no assunto.
E de fato me parece que há entre as pessoas, em sua maioria, um enrola-enrola pra não afirmar que não gostou, ou que não entendeu (mesmo que nem sempre tenha algo pra entender nesse contexto). Mas a sensação de vazio quando se sai do espetáculo não é um bom sinal. Há não ser que seja um vazio daqueles que se tem quando se perde o chão, o céu, uma grande luz ofusca seus olhos, ou adentra na mais profunda escuridão, e não sabe mais o que sabe. Mas vazios como esse são raros.
A primeira sensação que faz ser “bom” um espetáculo penso que é, justamente, o quanto ele te faz sentir. Para além desta sensação de vazio. Pode ser algo como a fruição em uma estética interessante, entre cenografia e movimentos, ou participar de alguma crítica, trazer para a dança um questionamento, uma reflexão. Foi este último a intenção (ou a ênfase) do espetáculo que assisti. E certamente ele alcançou tal objetivo. Mas me parece que para questionar basta colocar em questão, ou perguntar. E a crítica pode ser no sentido -de senso comum- de apontar os defeitos de um processo. Uma crítica que coloque em crise (leia pelos textos passados aqui citação de Barthes) é uma outra história.
Trata-se do espetáculo “Geraldas e Avencas”. Este se propõe a fazer uma crítica às padronizações em que o corpo é inserido. Coisa que está escrita no convite e de forma explícita no espetáculo. De minha poltrona, e nos passos que se seguiram até minha casa, pensei algumas coisas:
- O assunto é batido. Há de ser fazer um esforço, neste casos, para não cair nos clichês próprios desses assuntos. Diria até que são em si assuntos clichês.
- Partindo deste princípio, fiquei incomodado quando os dançarinos entraram em cena com balões representando peitos siliconados e músculos bombados. Pois neste tema clichê, este é o clichê dos clichês. Mais um: espelhos côncavos e convexos distorcendo a imagem corporal: não preciso me repetir.
- Projeções ao fundo (grandes, em toda a parede) que pouco se relacionavam com os dançarinos e mais com a dança, como representação, reafirmando o que ali estava um tanto afirmado. Ainda assim pouco elaboradas. Aliás, a falta de apropriação dos recursos de cena me incomodaram: do espelho somente um dançarino vi se olhar e de uma barra ao fundo, somente um dançarino veio a tocá-la, sentando: para mim o ápice do espetáculo: gostei da utilização do recurso.
- Outra coisa são os movimentos quase sempre “fluidos” que me pareceram fracos em intenção, ou em intensidade.
- Gostei da dança circular no final, do som dos pés no chão. Gostei da trilha: Zeca Baleiro é bom demais.
O que mais senti falta foi de recursos mais elaborados para uma crítica de um tema tão amplo e múltiplo. Claro que quem escreve aqui é uma pessoa com suas limitações confessas acerca de repertório de espetáculos de dança assistidos. Mas o fato é que o tema é para mim essencial como artista e educador, e talvez por isso esperava bem mais.
Concretizo aqui mais uma tentativa de crítica (que é ativa em mim) com relação ao que se faz quando pensa e se tenta uma crítica. E creio que esta é parte indivisível não somente do artista e do educador, mas de quem vive. Porém, o artista, enquanto, multiplicador, enquanto provocador, deve lançar mão de seus recursos estéticos para disparar no público sensações, colocá-lo de fato em crise com o seu eu de até então, de até há pouco, de antes de se encontrar com a obra.
Claro que como público sou um de muitos que assistiram ao espetáculo. E é pressuposto de qualquer arte, qualquer proposta que se pretenda mostrar, que alguns gostarão e outros não. Uns mais outros menos. E também que de quem escreve sobre ele tenha certo valor agregado e repercussão. Trabalho dos críticos de arte. Não é meu caso, certamente. Por isso hesitei um pouco quanto a esta postagem. Mas conclui que ela está de acordo com a proposta do blog que são as coisas que circundam, e o que se faz com ela. E pelas minhas desqualificação como crítico de arte, certamente ela terá pouca repercussão. É aqui mais um exercício de escritura.
Foucault: ninguém entra na ordem do discurso se não satisfazer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo.(A Ordem do Discurso, p. 37).

domingo, 15 de março de 2009

O Novo

A palavra “novo” e suas variações sempre me incomodaram: como afirmar que algo é novo? Como ter a certeza de que algo semelhante ou igual não foi produzido em outro local, outro momento, outra pessoa, ou você mesmo? Isso principalmente com relação ao texto.
Me senti mais aliviado, e de alguma forma mais livre, quando li hoje está citação de Foucault: o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.(A Ordem do Discurso, p. 26).
Mais ou menos entendido. Mais confortável com esta palavra. Desconfortável com muitas outras. Um objetivo: desusar palavras saturadas, aquelas que de tão cheias de si, cheias de significados, dizem por conta, e podem dizer mais ou menos do que se quer. No meu caso, a preocupação de que diga algo curto, e não dê chance à multiplicidade. Que seja ação de uso e não uma dança. E entre as danças: as livres, soltas, não as coreografadas, com passos certos, as danças doidas e malucas, ou simples e enigmáticas, secretas, simbólicas. Novas.

Texto

Tudo pode virar texto, escritura: um fato, uma experiência, um sonho, imaginação – memória ou criação. Pensamento: todos podem ser transcritos. Ou a escritura como criação em ato, união do acaso de processos camuflados em nosso ato empreendido em escrever: entre o novo e a reprodução: a sobreposição da memória acumulada ao momento atual, com o ato de escrever em si: uma nova configuração: texto.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Rasteira: o chão é o limite: as possibilidades: o ser: a vida:::::::::::::::::::......................



É parte do existir, do ser ante a sociedade, que se saiba de si, dos outros, do mundo, algumas coisas: quem é, o que pensa da vida, o que é certo e errado e demais informações e opiniões. Há aí alguns buracos, tapados com afirmações. Um queijo suíço. Quem se coloca em pé, se não souber responder prontamente tais perguntas?
Aprendemos a ter certezas das coisas. A saber que isto é isto, e se não é isto, é aquilo. Sim ou não. Bem ou mal. 0 ou 1: lógica binária. E no primeiro apontamento destas falsas obviedades, destas verdades mentirosas, num primeiro encontro com o paradoxo das relações (entre mundo e palavras) buscamos nas experiências, as certezas para negar o que está na cara: não adianta, sempre haverá uma rasteira, acostume-se a ficar perto do chão.
No chão está a verdade. E a verdade é: esqueça as verdades! Aceite os paradoxos: nunca diga nunca, veja o que não pode ser visto, escute o que não é dito. Não há matriz: suas referências podem ser importantes, um porto para não ficar a deriva, mas as vezes é importante se soltar nas águas.
Chão, água: algum lugar que não dentro de você, porque dentro de você não há nada mais do que uma mistura de um pouco do que você pensa que é, com o que sua memória revive do que você crê que viveu, do que esqueceu, com tudo o que você está passando agora, e suas pretensões impulsionadas por estas referências que de concretas só tem o nome, a palavra. Se há uma certeza, concordo com Jean Baudrillard, é a incerteza:
A incerteza do mundo é que ele não tem equivalente em parte alguma e que ele não se troca com coisa alguma. A incerteza do pensamento é que ele não se troca nem com a verdade nem com a realidade.1
E vai se indo, se repetindo, sempre formando e tendo opiniões formadas. Até que vem Jorge Larrosa pronto para dar uma rasteira nos desavisados: a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, [...] faz com que nada nos aconteça.2
As certezas nos fecham para as perguntas. Outra rasteira, Rubem Alves: as respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.3 Diria ainda que antes das respostas está a opinião, e esta nem te permite andar, mas girar em torno de si mesmo: um si que está fechado, pois se auto responde constantemente, sem perguntas.
E no momento em que você está tentando se erguer, adivinha! Deleuze e Guattari:
você será organizado, você será um organismo, articulará seu corpo — senão você será um depravado. Você será significante e significado, intérprete e interpretado — senão será desviante. Você será sujeito e, como tal, fixado, sujeito de enunciação rebatido sobre um sujeito de enunciado — senão você será apenas um vagabundo.4
E agora? Aproveita que está deitado e descanse. Sim, retome as energias que você perdeu sendo um Homem de Caráter, uma Mulher Decidida, um Cidadão Consciente. Fique ao lado das formigas. Cheire a grama, pois ela não é feita para ser pisada. Role um pouco para um lado e para o outro. Imite uma minhoca. Se suje. Mas suje bastante, para que nenhuma modalidade de OMO possa te limpar.
Suje-se com a simplicidade das possibilidades. Pois você não precisa ser limpo, contornos visíveis, observações claras. Nada de rótulo, bula, manual ou painel de controle. Fique um pouco pelo chão, talvez ache uma moeda, então pode jogá-la numa fonte e fazer um pedido, pois o dinheiro não é só para adquirir. E se for, que o dê para um mendigo, porque para ele muito mais que para você, essa moeda terá um valor. Pois o essencial está na vida, no que é mais sensível, no sentir, viver. E pra isso não é tão necessário ter, quanto estar.
E quando for se levantar, que não seja para empinar o nariz, tirar uma foto 3x4, ou apontar o dedo. Que seja para cheirar, desenhar e tatear, ou brincar com as bolinhas que tirou do nariz. Que seja para dançar. E dançando ir ao ar. E do ar voltar ao chão. Pois é o movimento que te faz ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser ,ser ,ser,ser,ser,ser,ser,ser,ser,ser,ser,sersersersersersersersersersersersersersererererrrrrs e r .




1, 2, 3, 4 Pra saber das referências, pergunte.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Continuando: circo, filosofia, vida, ética....

Ainda pensando sobre a arte circense e suas possibilidades latentes, lembrei de uma citação. Esta está num texto que eu já havia lido há mais de um ano, mas tive contato com ela novamente, em outro contexto, que me proporcionou outros pensares. Pois dá primeira vez que a li, estava só e descompromissado, tinha o interesse no texto, as conexões me vinham, digamos, ao natural e aos poucos. Neste segundo momento, no mês de fevereiro, eu estava num workshop com o Grupo Lume, em Barão Geraldo, Campinas – SP. Workshop teórico, ministrado por Renato Ferracini, contextualizando e conceitualizando o corpo e o corpo em arte. Trata-se de uma citação de Deleuze e Guattari, do Mil Platôs Vol. 3, no texto Como criar para si um Corpo sem Orgãos:
Eis então o que seria necessário fazer: instalar-se sobre um estrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece, buscar aí um lugar favorável, eventuais movimentos de desterritorialização, linhas de fuga possíveis, vivenciá-las, assegurar aqui e ali conjunções de fluxos, experimentar segmento por segmento dos contínuos de intensidades, ter sempre um pequeno pedaço de uma nova terra.
Lembrei desta citação, pois penso que é um bom exercício e a melhor forma de buscar alternativas para a arte circense (alternativas que já vem sendo buscadas por grupos mundo afora, faço aqui um exercício mais conceitual, pois se acredito nesta busca de novas formas, também acredito que em nome do novo e da liberdade, pode se produzir, num âmbito conceitual, uma estética vazia). Existem neste texto muitos conceitos importantes na filosofia de Deleuze e Guattari que não me seria possível explicar com a devida consistência que penso ser indispensável. A idéia é usá-la como dispositivo de um planejamento para uma execução mais ou menos prática na busca de uma “nova” arte circense. Considerando que o que nos dizem esses teóricos, a mim, é uma forma de atitude ante a vida, uma ética.
A partir daí, a questão então é: instalar-se sobre o que vivemos como circo hoje. Buscar nele, e em nossos corpos que o vive em ato, espaços, rupturas, linhas de fuga. Se assentar numa pequena parte e nela buscar possibilidades de ações corporais, outros movimentos, outros agenciamentos com os aparelhos circenses, ou buscar um objeto não circense, cotidiano, e aplicar nele e com ele a “lógica circense”.
Uma tentativa mais específica de aplicabilidade: malabarismo: com bolas: usar o corpo, além das mãos: pés, cabeça, costas, braços e coxas. Além do bípede: outras relações com o espaço: sentado, deitado, giros. Ações mecânicas: variações de lançamento e recepção, equilíbrios estáticos e dinâmicos. Relação com o som: silêncio, música, o som da bola em contato com o corpo, ou com o chão, a voz. Mistura de técnicas: movimentos acrobáticos, gestos, ou referências de dança. A variação do próprio equipamento: não mais bolas de malabarismo: folhas, frutas, bolhas, cuspes, tubos, lenços, talheres. E demais buscas, demais linhas de fuga, desterritorializações.
Do malabarismo a acrobacia, passando pelos aéreos, equilíbrios. Agenciando técnicas. Misturando as referências circenses com a memória corporal: vícios de comportamentos, brincadeiras lembradas, outras técnicas estudadas. O corpo só, com o objeto, com os outros corpos. O agenciamento com outras técnicas corporais. A pesquisa, o exercício, o experimento. Desfazer e refazer.
Entre a pesquisa de movimentos aberta e uma pré-conceituada: o corpo com um peso outro, o objeto, uma dada importância, outra função, outro simbolismo.
Sem pressa, com paciência, com curiosidade. A atenção no processo, o interesse por ele. O essencial está no processo, no meio. E no momento em que se quiser ou precisar (já que vivemos num mundo, com demandas práticas, cênicas e financeiras) retirar desta pesquisa toda, destes dados, o interessante, o querido, e montar um número, ou um espetáculo. Desacelerar e emoldurar. Então passa a ser este próprio espetáculo ou número uma espécie de estrato, podendo nele mesmo se buscar linhas de fuga, para readaptá-lo ao tempo, as necessidades. Sem desconsiderar que cada execução, atuação, é uma, única.
Jaz aí uma postura com relação ao circo, com relação aos relacionamentos, com relação à vida. Ao menos uma opção de. Menos simples do que a repetição dos vícios que adquirimos ao longo do viver. Ou os vícios que adquirimos da história acumulada à nossa arte.

terça-feira, 10 de março de 2009

Circo crítico?

Valorizar o trabalho do artista enquanto processo intelectual e não enquanto produtor de objetos para a contemplação e deleite de alguns.1

Pensei, a partir desta frase, publicada em 1974, num artigo de autoria de Ronaldo Brito, crítico de arte, na questão dos artistas e da arte circense neste contexto. Neste artigo, Brito discute acerca da arte conceitual: ...uma tendência ampla e internacional que começou mais ou menos com a década de 70 - representa sem dúvida um movimento importante: pela primeira vez um movimento se propôs discutir não apenas o objeto da arte em si mas a própria função da arte e do artista na sociedade.
Não posso fazer da minha análise um questionamento que abrange toda a arte circense, mas sim dentro dos espaços de onde surge a minha experiência e das pesquisas que tenho feito a cerca desta arte, onde me incluo. Acontece que daí já surge um problema, que se soma aos outros, e me fazem questionar a arte circense enquanto processo intelectual: pouco se encontra de bibliografia e não há muita discussão neste aspecto na internet (faço esta afirmação com receio, pois não tenho pesquisado tanto quanto gostaria, mas é fato que se tratando de artes cênicas, a dança e o teatro tem publicações bem mais fáceis de se encontrar).
Acredito que está condição atual se torna mais clara à medida que se estuda a história do circo, das famílias circenses, de como se formou este grande espetáculo. E não há aqui em minha problematização uma questão de hierarquia, não se trata de ter que se ser intelectual para ter mais valor. Tem grandes méritos o circo tradicional, e um deles é o alcance que teve, e ainda tem, em termos de democratização e contato com o público. Coisa que não se pode afirmar da arte conceitual.
Contudo, desejo restringir está discussão no seguinte emolduramento: o que faz desta arte os que se dizem do Circo Contemporâneo? E não me aventuro agora na questão de conceituar e discutir o que se trata esse tal circo, mas me basta aqui sugerir que são artistas que surgem na nossa época e que conheceram o circo das mais diversas formas, que não a partir de sua família, sob a lona.
Circundando em torno da questão do circo contemporâneo, questiono as possibilidades deste fazer artístico circense que não se faça apenas no fazer, mas que se ponha a pensar. Pois, a medida que somos de outro contexto histórico e social, podemos (prendi meu ímpeto de escrever “devemos”) nos apropriar deste e pensar a arte circense não apenas como entretenimento, mas também como uma arte crítica.
E para delinear melhor a questão, coloco aqui a minha noção de arte crítica, me dita por Barthes: a arte crítica é aquela que abre uma crise: que rasga, que faz rachaduras na cobertura, fissura a crosta das linguagens, desliga e dilui o ligamento da logosfera; é uma arte épica: que torna descontínuos os tecidos de palavras, afasta a representação sem anulá-la.2
Talvez a principal dificuldade de alcançar esta proposta se dê no fato dos circenses estarem um tanto presos à virtuosidade. Se gasta toda a energia, ou boa parte dela, na busca do mais difícil, do mais impressionante: um mortal a mais, uma bola a mais, uma pirueta a mais. Quase sempre o mais. Quando as vezes pode ser interessante o menos (relendo o texto lembrei dos palhaços, que certamente constituem uma questão a parte, não se incluindo aqui). Não que isso não ponha o outro (espectador, ou mesmo um colega) em crise, mas ela vai acontecer se o outro perceber o quanto seu corpo poderia fazer, se outro corpo faz, mas não o faz porque não treinou, não seguiu este caminho, ou tem outra profissão, esta fora do peso, etc. Provavelmente uma pequena crise.
Acontece que temos nas mãos, ou mais precisamente em nossos corpos, muitas críticas em potencial. Pois, a medida em que vivemos numa maquinaria social onde apreendemos e somos apreendidos, tomamos formas que nos fazem ser quem somos. Temos, no entanto uma potência que não circula, ou que as poucos se diminui, num corpo que se desfaz na lógica do consumo, do utilitarismo, numa economia dos corpos: num menor gesto, uma maior produção (Foucault, se não me falha a memória). Sendo que assim, quem mais sofre é o corpo, que é este sujeito, ou está individualidade, eu e você. E quem melhor que os circenses para levar o corpo para outras possibilidades? Mas isso é texto para outros textos.
Penso que o mais justo é se pensar em um circo contemporâneo, com iniciais minúsculas, porque ainda vejo ele, salvo algumas exceções, como um circo que é do nosso tempo, mas não difere muito do circo tradicional no seu fazer a ponto de necessitar de um novo nome. Pois mesmo que se apresente em outros espaços, com outras propostas no figurinos e mesmo no dito circo-teatro, o que prevalece são as mostras de números nos passos da virtuosidade: enquanto produtor de objetos para a contemplação e deleite de alguns.
E se a arte circense se apropriar desta possibilidade crítica e conceitual, não como parte casual do processo de criação, mas sim com pré-texto, como inicio do processo? Não que tenha que se perder o que se tem, ou não se possa trabalhar com uma proposta, diria (com receio novamente), mais tradicional. Não estou propondo a troca de uma por outra, mas a criação de outros territórios: a multiplicidade de territórios. Fugir da simples repetição.
Porém, essa outra vertente pode ser um pouco mais trabalhosa, e é necessário estar um pouco mais aberto. Assim como é necessário criar um espaço de pesquisa, de estudo, com seus devidos tempos. Sob o risco de se fazer o tradicional, com um nome novo.


1 Ronaldo Brito. Experiência Crítica. Editora Cosacnaify.
2 Roland Barthes. Escritos sobre teatro. Editora Martins Fontes:São Paulo, 2007.

Pelo menos o chip.

Tem coisas nessa vida que são inevitáveis, outras quase. De inevitável mesmo talvez somente a morte. Há pouco fui assaltado, coisa de uma hora atrás. Virei a esquina, vi os caras, vi que eles me viram e também vi que eles viram que eu os vi. Tanto que minha reação foi atravessar a rua (um tanto previsível, diga-se de passagens) coisa que eles devem estar acostumados e se anteciparam (a final de contas, esse é o trabalho deles), me restando somente pensar: merda, lá vamos nós... E foi.
- Passa o celular! Não precisei responder, ele pegou por conta do meu bolso. - Passa o dinheiro! Eu respondi: calma, vou pegar a carteira, ta na mochila, mas só tenho seis reais (havia contado no ônibus, com o objetivo de saber se cabiam pães e frios no valor que eu tinha). Entreguei os seis. Ele duvidou, pediu mais. Expliquei que era só o que eu tinha e ele se certificou analisando minha carteira. – Passa o cartão do banco! No que retruquei: Pra quê?! Tu não tem a senha! (agora fico pensando: e se ele me pedisse a senha?! Ou me levasse ao banco a duas quadras dali para sacar?!). - Não, deixa o cartão! disse o outro (pois sim, não preciso contar que eram dois, extremamente fortes, maus e bem armados). Se foram, levando o meu ex-celular e minhas ex-três notas de dois reais. Mas não deixei por menos, antes que eles se afastassem me impus: - Será que vocês podem me devolver o chip? Coisa que eles fizeram de boa vontade. Porém, não conseguiram tirá-lo e pediram para eu fazê-lo. Sendo assim, tive a chance de me despedir do celular. Que descanse em paz!
Acontece que de tudo pouco me perturba. Digo, poderia ficar muito chateado, com medo, raiva, coisas assim. Mas quem se dispõem a refletir sobre as coisas, não pode simplesmente responder à ira e a humilhação que uma situação como está provoca. Porque, junto com o celular e a três notas de dois reais, foram um pouco do meu orgulho de Homem: essa coisa que ainda resta na gente, de precisar ser forte, corajoso, meio super-herói. Tudo por água a baixo.
Na reflexão sobre os fatos, considero que o assalto é resultado de uma necessidade. Claro que pode ser tanto para alimentar um filho quanto para comprar um tênis de marca ou sustentar um vício. Não sei. Mas sei que ninguém rouba se não precisa. Mesmo os cleptomaníacos: uma necessidade que surge da doença. Por outro lado, me parece que se eu fui humilhado, eles também devem sentir algo parecido. E acho que sentem, coisa que se reflete na forma de agir, como da outra vez que fui assaltado (sim, este foi apenas mais um episódio): sabem que estão tirando algo do outro e não levam o que não tem valor para eles, como os documentos, ao menos no meu caso, onde houve uma espécie de negociação.
No outro assalto nem levaram meu celular porque era muito velho (ironicamente é o que eu uso agora que o outro me deixou). Daquela vez eu disse: cara, to mau de grana! No que ele respondeu: Sim, mas nós estamos bem pior do que tu! Fiquei sem resposta para eles e para a faca. É uma espécie de distribuição de renda forçada.
Bom, a vida continua. Agora tenho um espetáculo de dança para assistir. Vou passar no banco se sacar mais dinheiro. Levo comigo o velho celular (aquele que os assaltantes não querem). Mas tenho um teatro com ar-condicionado me esperando. Talvez um bar com cerveja depois. Um teto bom e uma cama macia. O que será que tem os assaltantes?
Sei que eles tem o meu celular e seis reais.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Desculpas pela mentira

Desculpe-me pela indelicadeza. Escrevi tal texto como uma necessidade, não por desejo de afirmar alguma verdade. Pois justamente isso que me acomete: o que é a verdade? Ela existe? Se me dizes que é necessário que se tenha um conhecimento de causa, digo que o tenho. E esse conhecimento de causa me diz que nunca estou certo, que tudo muda o tempo todo. A começar por nossos sentidos, que não são perfeitos. Passando pelas nossas experiências, que dão cor e retoques à realidade. Seguindo por nosso próprio descaso, em não pensar em pensar, e achar que quando decide está pensando. Se é que decide algo, ou faz por mera repetição, treinamento.
Pergunto-lhe: se minha hipótese não for verdade? pois justamente isso diz ela: que a verdade não existe. Paradoxal situação. Se essa realidade em que vivemos existe, mas não como a percebemos: nada é verdade. Tudo é parte de algo maior, do qual não temos controle. Então é necessário despensar esta realidade, em prol de uma outra, suspensa. Sempre suspensa, a media que nunca teremos certezas. Pensar uma outra que talvez nem mereça esse nome de “realidade”. É o caso de achar outra palavra. Ou se contentar com a negação dela, saber que ela não existe, mas outro algo sim. Negar esta verdade, que é, a mentira. Mentira é a negação da verdade. É tudo o que tenho.
Simplificação demais? Mas como explicar se faço parte deste todo, e nem a mim conheço. Pois nisso tens a mais completa razão.

Arrogância

Li este texto e me senti ofendido. Como tal sujeito, independente de quem seja, pode afirmar que tudo isso é uma mentira? Quem é este que possui tamanha arrogância? Quem lhe deu o poder, o conhecimento, para isso afirmar? Quando falamos, temos que considerar que acessaremos outros com nossas palavras, quando escrevemos também. Não posso ficar alheio a um descaso como este. É importante que se meça as palavras. Que saiba realmente o que está dizendo ou escrevendo. É indispensável que se tenha conhecimento de causa. E você, meu caro, certamente não conhece tudo. Pois também é parte desse todo. E posso ver que nem a si próprio conhece.

Mentiras

Meus pés seguem firmes.
Somam-se à seus passos sentimentos inominados.
E assim são por minha opção.
Firmes e pesados, pela necessidade que sinto de caminhar.
Não que o corpo tenha está firmeza.
Muitas vezes, ao contrário, sinto algo que me prende por dentro.
Me espreme.
E ao mesmo tempo me movimenta, em diversas direções, mesmo que a caminhada tenha apenas um sentido a cada momento.
Outro depois.
Nem sempre estou indo na minha direção, por isso é preciso mudar.
Penso que deste sentimento poderia me esconder.
Ou tentar ignorá-lo.
É o que muitos fazem.
Sinto.
Me obrigo a sentir.
E por momentos paro num canto.
Ouço as direções, vejo.
Giro em torno de mim mesmo.
Sigo a caminhar.
Outras vezes me xingo, me destrato.
Sei que de mim muito não sou eu.
Sei que eu quero ser outro.
Ou apenas desser quem sou.
Abrir espaço para o que não sei.
Outras vezes me censuro: saia de si! muito acontece ao seu redor, será capaz de ficar assim, apenas consigo?
O eu que cresceu, censurando o eu que cá está.
E já estava antes de crescer.
E já sentia antes de assim ser.
E isso que sinto, que me prende, também me livra da realidade.
Da calmaria.
Das ofertas de uma macia poltrona, cerveja no fim do dia e um trabalho bem remunerado.
Dia após dia, até que a morte me separe.
E me esqueçam!
Do perigo de esquecer que há muito do que não sei, e devo girar em torno das interrogações, para caminhar por algo que venha de mim.
Há sempre o perigo de caminhar por automatização, por repetição, por procuração, está.
Todo lugar, todo momento.
Em todo e qualquer passo onde se sinta certo o bastante, forte o suficiente, para esquecer que tudo isso é uma mentira.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O nove saiu

Uma moça graciosa me contou um fato que mal pude acreditar. Disse-me ela que roubaram o número da casa de seus avós. Como assim?! Contou ela que seu velhinho avô, fez um nove de papel para substituir o nove roubado.
Ela, indignada, exclamou: porque não deixam o número dos velhinhos em paz?
Boa pergunta.
Curioso, fiquei a pensar o que poderia ter acontecido com o tal nove. Será que era um material valioso? Pouco provável. Quem colocaria um nove de ouro para identificar sua residência? Talvez alguém morasse na casa número nove e, talvez por falta de dinheiro, pegou “emprestado” o nove do avô da moça. Talvez.
Fiquei triste pelos velhinhos.
Mas em seguida, fiquei feliz pelo nove. Sim, encontrei por aí a seguinte hipótese: levaram o nove para conhecer o mundo!
Pois, se coloque no lugar do nove: num belo dia você é feito, um bonito nove, ou um nove qualquer, não importa, você tem apenas uma função: numerar. Acabou-se aí. Pelo resto dos seus dias ficará preso à uma parede a numerar. Somente o carteiro lhe dará uma breve atenção, ou uma nova visita.
Imaginem que uma boa alma, ao perceber o triste nove, levou-o para passear. Como Amelie Poulain, que entregou o anão de jardim de seu pai a uma amiga aeromoça levá-lo para viajar, para ele conhecer o mundo para além das fronteiras de seu jardim.
Imagino a felicidade do nove. Consigo vê-lo conhecendo outros números, talvez até o abecedário. Tão grande é o mundo, porque ficar num só lugar? Penso como ele deve ter ficado alegre ao ver seu irmão gêmeo, grudado na camiseta da seleção brasileira, junto com o Ronaldo fazendo um gol na copa do mundo. Que orgulho!
E o nove conheceu o mundo, as coisas do mundo. Percebeu como somos belos, ou nem tanto, mas podemos ser. Podemos ser o nove que quisermos. Mas e todos os noves que estão presos, colados pelas paredes? Ele ficou um pouco triste. Mas logo desentristeceu, pois entendeu que alegre ou triste, ao menos não está mais indiferente, está sentindo.
Fiquei feliz pelo nove. Também fiquei feliz pelo papel, que deixou de ser papel e passou a ser número. Mas não consegui mais imaginar pra onde foi o nove, o que fez depois? Não sei. Pode até ter ficado um pouco confuso com o mundo que agora conhece.
Acho que pode ter doído sair da parede: confusão, incerteza, o desconhecido que assusta. Mas também o novo, o belo, o frio na barriga, as novas experiência, os sorrisos, os choros, a vida. O nove agora sabe. Só sabe quem se permite um dia não saber, e sair.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

É preciso destreinar o olhar

Segunda: manhã.
Deito-me sobre a cama: janela aberta.
Na rua: chuva.
Uma árvore: magricela, muitos finos galhos, cada galho com mais galhos, mais finos, e neles, pequenas folhas.
Meu olhar, meu pensamento: tristes estão as folhas, direcionadas ao chão, curvadas.
Talvez pelo dia cinza.
Meu pensamento, repensando: olhar viciado, porque triste estariam? Curvado, logo triste?
É preciso destreinar o olhar!
Descobri que as folhas se curvam não em tristeza, mas em reverência: agradecem a chuva, se curvam para que ela chegue, para que ela passe, para estar com ela.
Vi o vento: vi como as folhas dançam. Elas recebem o vento!
Belas lindas folhas, que recebem, que trocam, que aceitam.
Onde começa a chuva, termina a folha, inicia o vento?
Não há que se pensar: folha, vento, chuva não pensam: elas são.
Pobre de quem teima questionar, analisar, resistir.
O que vejo da janela: harmonia.
Há que se destreinar o olhar!

sábado, 17 de janeiro de 2009

Tudo tem um começo. Ou não?!

Demorei-me para a primeira postagem. Talvez porque a primeira é sempre a primeira. As outras serão não menos importantes, ou mais interessantes, mas jamais serão a primeira.
Decidi então dar a esta postagem o papel de manual de instrução. Sendo assim, a primeira questão a ser entendida é: quem dá o que e para quem? Certamente, esta é uma decisão bem pessoal. Trocadilhos à parte, desejo questionar a minha colocação como autor, criador do blog e desta postagem. Começando do início, para entender a idéia do blog (para ambos entendermos, você e eu). Como se forma este discurso, esta escritura? Questionamento feito. Usarei o recurso de auxílio à lista (de livros e textos referência) para esmiuçar esta questão, dar a ela formas mais tangíveis.
Cito então Foucault, na sua aula inaugural no Collège de France, em 2 de dezembro de 1970: gostaria de perceber que no momento de falar uma voz sem nome me precedia há muito tempo: bastaria, então, que eu encadeasse, prosseguisse a frase, me alojasse, sem ser percebido, em seus interstícios.[...] Não haveria, portanto, começo; e em vez de ser aquele de quem parte o discurso, eu seria, antes, ao acaso de seu desenrolar, uma estreita lacuna. O ponto de seu desaparecimento possível. §
Uma tendência das postagens aqui é de que tenham, com alguma freqüência, e por variados motivos, citações. Digo os motivos que sei agora: nem sempre terei a capacidade de explicar o que pretendo sem este auxílio, ou citarei por ter o prazer de reler e citar, me excitar, e trazer para cá, o que está em mim e veio de lá, de algum lugar.
E está aí o segredo desta idéia de blog (tiro no pé, não se deve contar os segredos, ainda mais na internet, mas o farei com cautela): é o que vem de lá, ou dali, quiça está aqui, ou do lado de lá. Pode estar em cima do muro, ou do arame. Pode estar numa bolinha, numa poesia, música, ou nas páginas de um livro. Quem sabe nas palavras de um amigo, ou de uma moça bonita. Num quadro, numa roda, num circo. No passo, na dança. Num tropeço, ou num pássaro. Sabe-se lá onde estará, mas sabe-se que circunda por aí.
E o que circunda? Muita coisa. Mas para o blog é o que faço, vejo, ouço, é o que me toca. O que eu consigo perceber. Ou o que se faz perceber. Pois talvez seja maior do que eu: não necessariamente há está hegemonia minha em relação ao que circunda: seja este outro um indivíduo, ou um objeto, ou experiência, ou outro outro. Mas há de tocar meu corpo. Há de transpassá-lo. Movê-lo. Meu corpo. Os corpos.
É o corpo em devir de Deleuze: corpo como poder de afetar e ser afetado.© O corpo de Barthes, que é afetado pelo prazer do texto que é esse momento em que meu corpo vai seguir sua próprias idéias- pois meu corpo não tem as mesmas idéias que eu.¨ Um corpo que em Gil é paradoxal, que cria uma relação com o espaço ao seu redor, tão íntima, como as que tem consigo: um espaço do corpo.ª
O corpo que é sujeito numa sociedade, onde é treinado para ser produtivo, enquanto dócil. Quanto mais homogêneo, mais fácil pode ser asujeitado, submisso, manipulado. « Como escapar desse corpo?
Nesse mundo onde tudo vem da troca impossível. A incerteza do mundo é que ele não tem equivalente em parte alguma e que ele não se troca com coisa alguma. A incerteza do pensamento é que ele não se troca nem com a verdade nem com a realidade (Baudrillard).·
Por isso a arte, a poesia. Disse Borges: em poesia o sentimento basta, imagino. Se o sentimento nos invade, isso há de ser suficiente.µ
Disse Pessoa: Bastar-nos-ia sentir com clareza a vida
E nem repararmos para que há sentidos...
Å
Digo eu: de tudo o que está aí, no mundo, o que? Jaz aqui um espaço potência. Muito pode acontecer, ou nada. Aqui está um espaço para o que circunda, e para quem circundar. Porém, para tanto, é preciso entrar na dança, mesmo que não se saiba dançar (mas digo: isso é o que fizeram você pensar, todos sabemos dançar!).

§ A ordem do discurso. Michel Foucault. Edições Loyola:2007. p 5.
© Não sei. Escrevi na porta do meu guarda-roupa. Mas provavelmente Deleuze e Guattari com um dos Mil platôs. Da editora 34.
¨ O prazer do texto. Roland Barthes. Editora Perspectiva: 1987. p 26.
ª Movimento Total: o corpo e a dança. José Gil. Editora Iluminuras: 2005. p.47.
« Foucault 80 anos. Autêntica Editora: 2006. p.56.
· A troca impossível. Jean Baudrillard. Editora Nova Fronteira:2002. p. 9.
µ Esse ofício do verso. Jorge Luís Borges. Companhia das letras: 2007. p. 111.
Å Poesia completa de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. Companhia de bolso: 2005. p. 67.

Caso não conheça os citados, caso queira, salve salve Wikipédia:
Michel Foucault: http://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_Foucault
Gilles Deleuze: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gilles_Deleuze
Roland Barthes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Roland_Barthes
José Gil: http://pt.wikipedia.org/wiki/José_Gil
Jean Baudrillard: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Baudrillard
Jorge Luiz Borges: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Luiz_Borges
Fernando Pessoa: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Pessoa