Minha cara está suada da cabeça aos pés!
Disse-me um pequenino.
Como são mais ricos os montes de palavras,
Quando não se sabe falar direito.
Direito de falar certo que se adquire quando cresce.
Mas as crianças não tem direitos assim.
Por isso elas são felizes.
Nós temos direitos e vícios.
De palavras, de gestos, de trajetos.
Temos deveres, temos dinheiro.
Temos trocas,
Que nós trocam por iguais.
Antes de esquecer me lembro deste dito do pequenino.
Sempre acho graça.
E lembro nem sei porque.
Por que caminho, por onde.
Desconfio que por um respiro menos ritmado.
Que para abrir um espaço,
Onde eu possa esquecer que sou trocado,
Viciado.
Onde eu possa ser todo eu, da cabeça aos pés.
Em todas as partes do meu corpo.
quarta-feira, 25 de março de 2009
Feitoooooo!
A cadeira relativamente confortável. Os pés apoiados sobre a cama. E a bagunça que já nem tanto me incomoda, e cuja organização desisti de adiar e me enganar: deixo ela ali, quando se arrumar é porque não mais adiei. Um certo silêncio habita, hora cortado por sons de carros, outros por vozes mais ou menos longínquas ou meus próprios sons.
O texto é de ótima leitura, um importante filósofo. No entanto, não é das mais corridas, exige um freqüente retorno. A noite anterior dormida pequena reflete agora no sono que teima em se insinuar. O qual nego com café e intensivo esforço de foco no livro.
O silêncio que até então convivia pacificamente com humildes sons é agredido e silenciado por um turbilhão de sons que em segundos cresceram de forma mais ou menos repetitiva. Os quais, equacionando por média, poderiam ser representados assim: Feitooooooooooo!
A atenção adquirida momento a momento, com seus respectivos intervalos de outra coisa qualquer, agora foi surrupiada pela intensidade sonora que poucos ouvidos poderiam ficar alheios.
Abriu ela um vácuo em meu cérebro, arrastando para dentro toda uma memória pseudo-moral que luto para contrariar, enquanto dou voltas para entender.
Por contrariar não vou aqui tratar, já que ainda não entendi. Mas é inegável que me desconcentram essas condutas hegemônicas. Entre elas os sons que invadiram meu quarto sem meu consentimento. Quantos momentos, quantas forças, são capazes de fazer vozes em cantos fechados, enquadradas, em compartimentos inacessíveis entre si, gritarem ao mesmo tempo, as mesmas duas ou quatro palavras?
Ai de mim que não gritei também. Bem dos outros, que num mundo onde se cruzam por tantas pessoas quanto com pensamentos e se fica sozinho na relação transparente com seus comuns, ao menos num momento, num jogo, como outro de outrora, com mesmas cores e regras, dentro da mesma moldura, podem sentir-se junto.
O texto é de ótima leitura, um importante filósofo. No entanto, não é das mais corridas, exige um freqüente retorno. A noite anterior dormida pequena reflete agora no sono que teima em se insinuar. O qual nego com café e intensivo esforço de foco no livro.
O silêncio que até então convivia pacificamente com humildes sons é agredido e silenciado por um turbilhão de sons que em segundos cresceram de forma mais ou menos repetitiva. Os quais, equacionando por média, poderiam ser representados assim: Feitooooooooooo!
A atenção adquirida momento a momento, com seus respectivos intervalos de outra coisa qualquer, agora foi surrupiada pela intensidade sonora que poucos ouvidos poderiam ficar alheios.
Abriu ela um vácuo em meu cérebro, arrastando para dentro toda uma memória pseudo-moral que luto para contrariar, enquanto dou voltas para entender.
Por contrariar não vou aqui tratar, já que ainda não entendi. Mas é inegável que me desconcentram essas condutas hegemônicas. Entre elas os sons que invadiram meu quarto sem meu consentimento. Quantos momentos, quantas forças, são capazes de fazer vozes em cantos fechados, enquadradas, em compartimentos inacessíveis entre si, gritarem ao mesmo tempo, as mesmas duas ou quatro palavras?
Ai de mim que não gritei também. Bem dos outros, que num mundo onde se cruzam por tantas pessoas quanto com pensamentos e se fica sozinho na relação transparente com seus comuns, ao menos num momento, num jogo, como outro de outrora, com mesmas cores e regras, dentro da mesma moldura, podem sentir-se junto.
segunda-feira, 16 de março de 2009
passapassará
Tudo passa. De sentimento a ônibus. Quanto ao segundo, lembro de um poema, lido numa de suas paredes: um erro na janela de um ônibus é um erro passageiro. Gostei pelo descompromisso sentimental.
Lembrei também de um livro que li em minha adolescência, onde um velho professor conversava com um seu ex-aluno. E numa dessas conversas disse algo como: deixe o sentimento chegar, sinta, e deixe-o passar. Respeite o tempo.
Hoje foi um bom dia, bons sentimentos. Entre eles motivação nas boas expectativas com relação ao cenário artístico circense de Porto Alegre. Com relação as relações. Uma triste alegria (acho que li isso em Neruda ou Borges) de passados que passaram. Mas quando se perde também se ganha. Um vai e vêm. Tudo passa, volta e revolta. Eterno retorno. E talvez no voltar possa haver a revolta, um contra si mesmo, quando então veremos de frente este que foi e retorna para nos encontrar. Estaremos consistentes para nos vermos de frente? Quem negará o olhar: nós ou nós?
E para concluir uma noite de abundantes postagens, uma frase descompromissada de um bate-papo virtual:
O futuro é uma caixinha de surpresa embrulhada para presente.
Uma boa noite entre as noites. Até a próxima.
Lembrei também de um livro que li em minha adolescência, onde um velho professor conversava com um seu ex-aluno. E numa dessas conversas disse algo como: deixe o sentimento chegar, sinta, e deixe-o passar. Respeite o tempo.
Hoje foi um bom dia, bons sentimentos. Entre eles motivação nas boas expectativas com relação ao cenário artístico circense de Porto Alegre. Com relação as relações. Uma triste alegria (acho que li isso em Neruda ou Borges) de passados que passaram. Mas quando se perde também se ganha. Um vai e vêm. Tudo passa, volta e revolta. Eterno retorno. E talvez no voltar possa haver a revolta, um contra si mesmo, quando então veremos de frente este que foi e retorna para nos encontrar. Estaremos consistentes para nos vermos de frente? Quem negará o olhar: nós ou nós?
E para concluir uma noite de abundantes postagens, uma frase descompromissada de um bate-papo virtual:
O futuro é uma caixinha de surpresa embrulhada para presente.
Uma boa noite entre as noites. Até a próxima.
A crítica, mais uma vez
Ontem assisti a um espetáculo de dança. Entrei num processo interno depois dele, aquela atitude auto-reguladora: dizer que não gostei, um espetáculo no Teatro São Pedro, lotado, com uma divulgação que poucos espetáculos podem girar? Pois é um espetáculo de dança contemporânea, e talvez eu estaria assim assinando meu atestado de insensível e/ou desentendido no assunto.
E de fato me parece que há entre as pessoas, em sua maioria, um enrola-enrola pra não afirmar que não gostou, ou que não entendeu (mesmo que nem sempre tenha algo pra entender nesse contexto). Mas a sensação de vazio quando se sai do espetáculo não é um bom sinal. Há não ser que seja um vazio daqueles que se tem quando se perde o chão, o céu, uma grande luz ofusca seus olhos, ou adentra na mais profunda escuridão, e não sabe mais o que sabe. Mas vazios como esse são raros.
A primeira sensação que faz ser “bom” um espetáculo penso que é, justamente, o quanto ele te faz sentir. Para além desta sensação de vazio. Pode ser algo como a fruição em uma estética interessante, entre cenografia e movimentos, ou participar de alguma crítica, trazer para a dança um questionamento, uma reflexão. Foi este último a intenção (ou a ênfase) do espetáculo que assisti. E certamente ele alcançou tal objetivo. Mas me parece que para questionar basta colocar em questão, ou perguntar. E a crítica pode ser no sentido -de senso comum- de apontar os defeitos de um processo. Uma crítica que coloque em crise (leia pelos textos passados aqui citação de Barthes) é uma outra história.
Trata-se do espetáculo “Geraldas e Avencas”. Este se propõe a fazer uma crítica às padronizações em que o corpo é inserido. Coisa que está escrita no convite e de forma explícita no espetáculo. De minha poltrona, e nos passos que se seguiram até minha casa, pensei algumas coisas:
- O assunto é batido. Há de ser fazer um esforço, neste casos, para não cair nos clichês próprios desses assuntos. Diria até que são em si assuntos clichês.
- Partindo deste princípio, fiquei incomodado quando os dançarinos entraram em cena com balões representando peitos siliconados e músculos bombados. Pois neste tema clichê, este é o clichê dos clichês. Mais um: espelhos côncavos e convexos distorcendo a imagem corporal: não preciso me repetir.
- Projeções ao fundo (grandes, em toda a parede) que pouco se relacionavam com os dançarinos e mais com a dança, como representação, reafirmando o que ali estava um tanto afirmado. Ainda assim pouco elaboradas. Aliás, a falta de apropriação dos recursos de cena me incomodaram: do espelho somente um dançarino vi se olhar e de uma barra ao fundo, somente um dançarino veio a tocá-la, sentando: para mim o ápice do espetáculo: gostei da utilização do recurso.
- Outra coisa são os movimentos quase sempre “fluidos” que me pareceram fracos em intenção, ou em intensidade.
- Gostei da dança circular no final, do som dos pés no chão. Gostei da trilha: Zeca Baleiro é bom demais.
O que mais senti falta foi de recursos mais elaborados para uma crítica de um tema tão amplo e múltiplo. Claro que quem escreve aqui é uma pessoa com suas limitações confessas acerca de repertório de espetáculos de dança assistidos. Mas o fato é que o tema é para mim essencial como artista e educador, e talvez por isso esperava bem mais.
Concretizo aqui mais uma tentativa de crítica (que é ativa em mim) com relação ao que se faz quando pensa e se tenta uma crítica. E creio que esta é parte indivisível não somente do artista e do educador, mas de quem vive. Porém, o artista, enquanto, multiplicador, enquanto provocador, deve lançar mão de seus recursos estéticos para disparar no público sensações, colocá-lo de fato em crise com o seu eu de até então, de até há pouco, de antes de se encontrar com a obra.
Claro que como público sou um de muitos que assistiram ao espetáculo. E é pressuposto de qualquer arte, qualquer proposta que se pretenda mostrar, que alguns gostarão e outros não. Uns mais outros menos. E também que de quem escreve sobre ele tenha certo valor agregado e repercussão. Trabalho dos críticos de arte. Não é meu caso, certamente. Por isso hesitei um pouco quanto a esta postagem. Mas conclui que ela está de acordo com a proposta do blog que são as coisas que circundam, e o que se faz com ela. E pelas minhas desqualificação como crítico de arte, certamente ela terá pouca repercussão. É aqui mais um exercício de escritura.
Foucault: ninguém entra na ordem do discurso se não satisfazer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo.(A Ordem do Discurso, p. 37).
E de fato me parece que há entre as pessoas, em sua maioria, um enrola-enrola pra não afirmar que não gostou, ou que não entendeu (mesmo que nem sempre tenha algo pra entender nesse contexto). Mas a sensação de vazio quando se sai do espetáculo não é um bom sinal. Há não ser que seja um vazio daqueles que se tem quando se perde o chão, o céu, uma grande luz ofusca seus olhos, ou adentra na mais profunda escuridão, e não sabe mais o que sabe. Mas vazios como esse são raros.
A primeira sensação que faz ser “bom” um espetáculo penso que é, justamente, o quanto ele te faz sentir. Para além desta sensação de vazio. Pode ser algo como a fruição em uma estética interessante, entre cenografia e movimentos, ou participar de alguma crítica, trazer para a dança um questionamento, uma reflexão. Foi este último a intenção (ou a ênfase) do espetáculo que assisti. E certamente ele alcançou tal objetivo. Mas me parece que para questionar basta colocar em questão, ou perguntar. E a crítica pode ser no sentido -de senso comum- de apontar os defeitos de um processo. Uma crítica que coloque em crise (leia pelos textos passados aqui citação de Barthes) é uma outra história.
Trata-se do espetáculo “Geraldas e Avencas”. Este se propõe a fazer uma crítica às padronizações em que o corpo é inserido. Coisa que está escrita no convite e de forma explícita no espetáculo. De minha poltrona, e nos passos que se seguiram até minha casa, pensei algumas coisas:
- O assunto é batido. Há de ser fazer um esforço, neste casos, para não cair nos clichês próprios desses assuntos. Diria até que são em si assuntos clichês.
- Partindo deste princípio, fiquei incomodado quando os dançarinos entraram em cena com balões representando peitos siliconados e músculos bombados. Pois neste tema clichê, este é o clichê dos clichês. Mais um: espelhos côncavos e convexos distorcendo a imagem corporal: não preciso me repetir.
- Projeções ao fundo (grandes, em toda a parede) que pouco se relacionavam com os dançarinos e mais com a dança, como representação, reafirmando o que ali estava um tanto afirmado. Ainda assim pouco elaboradas. Aliás, a falta de apropriação dos recursos de cena me incomodaram: do espelho somente um dançarino vi se olhar e de uma barra ao fundo, somente um dançarino veio a tocá-la, sentando: para mim o ápice do espetáculo: gostei da utilização do recurso.
- Outra coisa são os movimentos quase sempre “fluidos” que me pareceram fracos em intenção, ou em intensidade.
- Gostei da dança circular no final, do som dos pés no chão. Gostei da trilha: Zeca Baleiro é bom demais.
O que mais senti falta foi de recursos mais elaborados para uma crítica de um tema tão amplo e múltiplo. Claro que quem escreve aqui é uma pessoa com suas limitações confessas acerca de repertório de espetáculos de dança assistidos. Mas o fato é que o tema é para mim essencial como artista e educador, e talvez por isso esperava bem mais.
Concretizo aqui mais uma tentativa de crítica (que é ativa em mim) com relação ao que se faz quando pensa e se tenta uma crítica. E creio que esta é parte indivisível não somente do artista e do educador, mas de quem vive. Porém, o artista, enquanto, multiplicador, enquanto provocador, deve lançar mão de seus recursos estéticos para disparar no público sensações, colocá-lo de fato em crise com o seu eu de até então, de até há pouco, de antes de se encontrar com a obra.
Claro que como público sou um de muitos que assistiram ao espetáculo. E é pressuposto de qualquer arte, qualquer proposta que se pretenda mostrar, que alguns gostarão e outros não. Uns mais outros menos. E também que de quem escreve sobre ele tenha certo valor agregado e repercussão. Trabalho dos críticos de arte. Não é meu caso, certamente. Por isso hesitei um pouco quanto a esta postagem. Mas conclui que ela está de acordo com a proposta do blog que são as coisas que circundam, e o que se faz com ela. E pelas minhas desqualificação como crítico de arte, certamente ela terá pouca repercussão. É aqui mais um exercício de escritura.
Foucault: ninguém entra na ordem do discurso se não satisfazer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo.(A Ordem do Discurso, p. 37).
domingo, 15 de março de 2009
O Novo
A palavra “novo” e suas variações sempre me incomodaram: como afirmar que algo é novo? Como ter a certeza de que algo semelhante ou igual não foi produzido em outro local, outro momento, outra pessoa, ou você mesmo? Isso principalmente com relação ao texto.
Me senti mais aliviado, e de alguma forma mais livre, quando li hoje está citação de Foucault: o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.(A Ordem do Discurso, p. 26).
Mais ou menos entendido. Mais confortável com esta palavra. Desconfortável com muitas outras. Um objetivo: desusar palavras saturadas, aquelas que de tão cheias de si, cheias de significados, dizem por conta, e podem dizer mais ou menos do que se quer. No meu caso, a preocupação de que diga algo curto, e não dê chance à multiplicidade. Que seja ação de uso e não uma dança. E entre as danças: as livres, soltas, não as coreografadas, com passos certos, as danças doidas e malucas, ou simples e enigmáticas, secretas, simbólicas. Novas.
Me senti mais aliviado, e de alguma forma mais livre, quando li hoje está citação de Foucault: o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.(A Ordem do Discurso, p. 26).
Mais ou menos entendido. Mais confortável com esta palavra. Desconfortável com muitas outras. Um objetivo: desusar palavras saturadas, aquelas que de tão cheias de si, cheias de significados, dizem por conta, e podem dizer mais ou menos do que se quer. No meu caso, a preocupação de que diga algo curto, e não dê chance à multiplicidade. Que seja ação de uso e não uma dança. E entre as danças: as livres, soltas, não as coreografadas, com passos certos, as danças doidas e malucas, ou simples e enigmáticas, secretas, simbólicas. Novas.
Texto
Tudo pode virar texto, escritura: um fato, uma experiência, um sonho, imaginação – memória ou criação. Pensamento: todos podem ser transcritos. Ou a escritura como criação em ato, união do acaso de processos camuflados em nosso ato empreendido em escrever: entre o novo e a reprodução: a sobreposição da memória acumulada ao momento atual, com o ato de escrever em si: uma nova configuração: texto.
quinta-feira, 12 de março de 2009
Rasteira: o chão é o limite: as possibilidades: o ser: a vida:::::::::::::::::::......................
É parte do existir, do ser ante a sociedade, que se saiba de si, dos outros, do mundo, algumas coisas: quem é, o que pensa da vida, o que é certo e errado e demais informações e opiniões. Há aí alguns buracos, tapados com afirmações. Um queijo suíço. Quem se coloca em pé, se não souber responder prontamente tais perguntas?
Aprendemos a ter certezas das coisas. A saber que isto é isto, e se não é isto, é aquilo. Sim ou não. Bem ou mal. 0 ou 1: lógica binária. E no primeiro apontamento destas falsas obviedades, destas verdades mentirosas, num primeiro encontro com o paradoxo das relações (entre mundo e palavras) buscamos nas experiências, as certezas para negar o que está na cara: não adianta, sempre haverá uma rasteira, acostume-se a ficar perto do chão.
No chão está a verdade. E a verdade é: esqueça as verdades! Aceite os paradoxos: nunca diga nunca, veja o que não pode ser visto, escute o que não é dito. Não há matriz: suas referências podem ser importantes, um porto para não ficar a deriva, mas as vezes é importante se soltar nas águas.
Chão, água: algum lugar que não dentro de você, porque dentro de você não há nada mais do que uma mistura de um pouco do que você pensa que é, com o que sua memória revive do que você crê que viveu, do que esqueceu, com tudo o que você está passando agora, e suas pretensões impulsionadas por estas referências que de concretas só tem o nome, a palavra. Se há uma certeza, concordo com Jean Baudrillard, é a incerteza: A incerteza do mundo é que ele não tem equivalente em parte alguma e que ele não se troca com coisa alguma. A incerteza do pensamento é que ele não se troca nem com a verdade nem com a realidade.1
E vai se indo, se repetindo, sempre formando e tendo opiniões formadas. Até que vem Jorge Larrosa pronto para dar uma rasteira nos desavisados: a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, [...] faz com que nada nos aconteça.2
As certezas nos fecham para as perguntas. Outra rasteira, Rubem Alves: as respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.3 Diria ainda que antes das respostas está a opinião, e esta nem te permite andar, mas girar em torno de si mesmo: um si que está fechado, pois se auto responde constantemente, sem perguntas.
E no momento em que você está tentando se erguer, adivinha! Deleuze e Guattari: você será organizado, você será um organismo, articulará seu corpo — senão você será um depravado. Você será significante e significado, intérprete e interpretado — senão será desviante. Você será sujeito e, como tal, fixado, sujeito de enunciação rebatido sobre um sujeito de enunciado — senão você será apenas um vagabundo.4
E agora? Aproveita que está deitado e descanse. Sim, retome as energias que você perdeu sendo um Homem de Caráter, uma Mulher Decidida, um Cidadão Consciente. Fique ao lado das formigas. Cheire a grama, pois ela não é feita para ser pisada. Role um pouco para um lado e para o outro. Imite uma minhoca. Se suje. Mas suje bastante, para que nenhuma modalidade de OMO possa te limpar.
Suje-se com a simplicidade das possibilidades. Pois você não precisa ser limpo, contornos visíveis, observações claras. Nada de rótulo, bula, manual ou painel de controle. Fique um pouco pelo chão, talvez ache uma moeda, então pode jogá-la numa fonte e fazer um pedido, pois o dinheiro não é só para adquirir. E se for, que o dê para um mendigo, porque para ele muito mais que para você, essa moeda terá um valor. Pois o essencial está na vida, no que é mais sensível, no sentir, viver. E pra isso não é tão necessário ter, quanto estar.
E quando for se levantar, que não seja para empinar o nariz, tirar uma foto 3x4, ou apontar o dedo. Que seja para cheirar, desenhar e tatear, ou brincar com as bolinhas que tirou do nariz. Que seja para dançar. E dançando ir ao ar. E do ar voltar ao chão. Pois é o movimento que te faz ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser, ser ,ser ,ser,ser,ser,ser,ser,ser,ser,ser,ser,sersersersersersersersersersersersersersererererrrrrs e r .
1, 2, 3, 4 Pra saber das referências, pergunte.
quarta-feira, 11 de março de 2009
Continuando: circo, filosofia, vida, ética....
Ainda pensando sobre a arte circense e suas possibilidades latentes, lembrei de uma citação. Esta está num texto que eu já havia lido há mais de um ano, mas tive contato com ela novamente, em outro contexto, que me proporcionou outros pensares. Pois dá primeira vez que a li, estava só e descompromissado, tinha o interesse no texto, as conexões me vinham, digamos, ao natural e aos poucos. Neste segundo momento, no mês de fevereiro, eu estava num workshop com o Grupo Lume, em Barão Geraldo, Campinas – SP. Workshop teórico, ministrado por Renato Ferracini, contextualizando e conceitualizando o corpo e o corpo em arte. Trata-se de uma citação de Deleuze e Guattari, do Mil Platôs Vol. 3, no texto Como criar para si um Corpo sem Orgãos:
Eis então o que seria necessário fazer: instalar-se sobre um estrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece, buscar aí um lugar favorável, eventuais movimentos de desterritorialização, linhas de fuga possíveis, vivenciá-las, assegurar aqui e ali conjunções de fluxos, experimentar segmento por segmento dos contínuos de intensidades, ter sempre um pequeno pedaço de uma nova terra.
Lembrei desta citação, pois penso que é um bom exercício e a melhor forma de buscar alternativas para a arte circense (alternativas que já vem sendo buscadas por grupos mundo afora, faço aqui um exercício mais conceitual, pois se acredito nesta busca de novas formas, também acredito que em nome do novo e da liberdade, pode se produzir, num âmbito conceitual, uma estética vazia). Existem neste texto muitos conceitos importantes na filosofia de Deleuze e Guattari que não me seria possível explicar com a devida consistência que penso ser indispensável. A idéia é usá-la como dispositivo de um planejamento para uma execução mais ou menos prática na busca de uma “nova” arte circense. Considerando que o que nos dizem esses teóricos, a mim, é uma forma de atitude ante a vida, uma ética.
A partir daí, a questão então é: instalar-se sobre o que vivemos como circo hoje. Buscar nele, e em nossos corpos que o vive em ato, espaços, rupturas, linhas de fuga. Se assentar numa pequena parte e nela buscar possibilidades de ações corporais, outros movimentos, outros agenciamentos com os aparelhos circenses, ou buscar um objeto não circense, cotidiano, e aplicar nele e com ele a “lógica circense”.
Uma tentativa mais específica de aplicabilidade: malabarismo: com bolas: usar o corpo, além das mãos: pés, cabeça, costas, braços e coxas. Além do bípede: outras relações com o espaço: sentado, deitado, giros. Ações mecânicas: variações de lançamento e recepção, equilíbrios estáticos e dinâmicos. Relação com o som: silêncio, música, o som da bola em contato com o corpo, ou com o chão, a voz. Mistura de técnicas: movimentos acrobáticos, gestos, ou referências de dança. A variação do próprio equipamento: não mais bolas de malabarismo: folhas, frutas, bolhas, cuspes, tubos, lenços, talheres. E demais buscas, demais linhas de fuga, desterritorializações.
Do malabarismo a acrobacia, passando pelos aéreos, equilíbrios. Agenciando técnicas. Misturando as referências circenses com a memória corporal: vícios de comportamentos, brincadeiras lembradas, outras técnicas estudadas. O corpo só, com o objeto, com os outros corpos. O agenciamento com outras técnicas corporais. A pesquisa, o exercício, o experimento. Desfazer e refazer.
Entre a pesquisa de movimentos aberta e uma pré-conceituada: o corpo com um peso outro, o objeto, uma dada importância, outra função, outro simbolismo.
Sem pressa, com paciência, com curiosidade. A atenção no processo, o interesse por ele. O essencial está no processo, no meio. E no momento em que se quiser ou precisar (já que vivemos num mundo, com demandas práticas, cênicas e financeiras) retirar desta pesquisa toda, destes dados, o interessante, o querido, e montar um número, ou um espetáculo. Desacelerar e emoldurar. Então passa a ser este próprio espetáculo ou número uma espécie de estrato, podendo nele mesmo se buscar linhas de fuga, para readaptá-lo ao tempo, as necessidades. Sem desconsiderar que cada execução, atuação, é uma, única.
Jaz aí uma postura com relação ao circo, com relação aos relacionamentos, com relação à vida. Ao menos uma opção de. Menos simples do que a repetição dos vícios que adquirimos ao longo do viver. Ou os vícios que adquirimos da história acumulada à nossa arte.
Eis então o que seria necessário fazer: instalar-se sobre um estrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece, buscar aí um lugar favorável, eventuais movimentos de desterritorialização, linhas de fuga possíveis, vivenciá-las, assegurar aqui e ali conjunções de fluxos, experimentar segmento por segmento dos contínuos de intensidades, ter sempre um pequeno pedaço de uma nova terra.
Lembrei desta citação, pois penso que é um bom exercício e a melhor forma de buscar alternativas para a arte circense (alternativas que já vem sendo buscadas por grupos mundo afora, faço aqui um exercício mais conceitual, pois se acredito nesta busca de novas formas, também acredito que em nome do novo e da liberdade, pode se produzir, num âmbito conceitual, uma estética vazia). Existem neste texto muitos conceitos importantes na filosofia de Deleuze e Guattari que não me seria possível explicar com a devida consistência que penso ser indispensável. A idéia é usá-la como dispositivo de um planejamento para uma execução mais ou menos prática na busca de uma “nova” arte circense. Considerando que o que nos dizem esses teóricos, a mim, é uma forma de atitude ante a vida, uma ética.
A partir daí, a questão então é: instalar-se sobre o que vivemos como circo hoje. Buscar nele, e em nossos corpos que o vive em ato, espaços, rupturas, linhas de fuga. Se assentar numa pequena parte e nela buscar possibilidades de ações corporais, outros movimentos, outros agenciamentos com os aparelhos circenses, ou buscar um objeto não circense, cotidiano, e aplicar nele e com ele a “lógica circense”.
Uma tentativa mais específica de aplicabilidade: malabarismo: com bolas: usar o corpo, além das mãos: pés, cabeça, costas, braços e coxas. Além do bípede: outras relações com o espaço: sentado, deitado, giros. Ações mecânicas: variações de lançamento e recepção, equilíbrios estáticos e dinâmicos. Relação com o som: silêncio, música, o som da bola em contato com o corpo, ou com o chão, a voz. Mistura de técnicas: movimentos acrobáticos, gestos, ou referências de dança. A variação do próprio equipamento: não mais bolas de malabarismo: folhas, frutas, bolhas, cuspes, tubos, lenços, talheres. E demais buscas, demais linhas de fuga, desterritorializações.
Do malabarismo a acrobacia, passando pelos aéreos, equilíbrios. Agenciando técnicas. Misturando as referências circenses com a memória corporal: vícios de comportamentos, brincadeiras lembradas, outras técnicas estudadas. O corpo só, com o objeto, com os outros corpos. O agenciamento com outras técnicas corporais. A pesquisa, o exercício, o experimento. Desfazer e refazer.
Entre a pesquisa de movimentos aberta e uma pré-conceituada: o corpo com um peso outro, o objeto, uma dada importância, outra função, outro simbolismo.
Sem pressa, com paciência, com curiosidade. A atenção no processo, o interesse por ele. O essencial está no processo, no meio. E no momento em que se quiser ou precisar (já que vivemos num mundo, com demandas práticas, cênicas e financeiras) retirar desta pesquisa toda, destes dados, o interessante, o querido, e montar um número, ou um espetáculo. Desacelerar e emoldurar. Então passa a ser este próprio espetáculo ou número uma espécie de estrato, podendo nele mesmo se buscar linhas de fuga, para readaptá-lo ao tempo, as necessidades. Sem desconsiderar que cada execução, atuação, é uma, única.
Jaz aí uma postura com relação ao circo, com relação aos relacionamentos, com relação à vida. Ao menos uma opção de. Menos simples do que a repetição dos vícios que adquirimos ao longo do viver. Ou os vícios que adquirimos da história acumulada à nossa arte.
terça-feira, 10 de março de 2009
Circo crítico?
Valorizar o trabalho do artista enquanto processo intelectual e não enquanto produtor de objetos para a contemplação e deleite de alguns.1
Pensei, a partir desta frase, publicada em 1974, num artigo de autoria de Ronaldo Brito, crítico de arte, na questão dos artistas e da arte circense neste contexto. Neste artigo, Brito discute acerca da arte conceitual: ...uma tendência ampla e internacional que começou mais ou menos com a década de 70 - representa sem dúvida um movimento importante: pela primeira vez um movimento se propôs discutir não apenas o objeto da arte em si mas a própria função da arte e do artista na sociedade.
Não posso fazer da minha análise um questionamento que abrange toda a arte circense, mas sim dentro dos espaços de onde surge a minha experiência e das pesquisas que tenho feito a cerca desta arte, onde me incluo. Acontece que daí já surge um problema, que se soma aos outros, e me fazem questionar a arte circense enquanto processo intelectual: pouco se encontra de bibliografia e não há muita discussão neste aspecto na internet (faço esta afirmação com receio, pois não tenho pesquisado tanto quanto gostaria, mas é fato que se tratando de artes cênicas, a dança e o teatro tem publicações bem mais fáceis de se encontrar).
Acredito que está condição atual se torna mais clara à medida que se estuda a história do circo, das famílias circenses, de como se formou este grande espetáculo. E não há aqui em minha problematização uma questão de hierarquia, não se trata de ter que se ser intelectual para ter mais valor. Tem grandes méritos o circo tradicional, e um deles é o alcance que teve, e ainda tem, em termos de democratização e contato com o público. Coisa que não se pode afirmar da arte conceitual.
Contudo, desejo restringir está discussão no seguinte emolduramento: o que faz desta arte os que se dizem do Circo Contemporâneo? E não me aventuro agora na questão de conceituar e discutir o que se trata esse tal circo, mas me basta aqui sugerir que são artistas que surgem na nossa época e que conheceram o circo das mais diversas formas, que não a partir de sua família, sob a lona.
Circundando em torno da questão do circo contemporâneo, questiono as possibilidades deste fazer artístico circense que não se faça apenas no fazer, mas que se ponha a pensar. Pois, a medida que somos de outro contexto histórico e social, podemos (prendi meu ímpeto de escrever “devemos”) nos apropriar deste e pensar a arte circense não apenas como entretenimento, mas também como uma arte crítica.
E para delinear melhor a questão, coloco aqui a minha noção de arte crítica, me dita por Barthes: a arte crítica é aquela que abre uma crise: que rasga, que faz rachaduras na cobertura, fissura a crosta das linguagens, desliga e dilui o ligamento da logosfera; é uma arte épica: que torna descontínuos os tecidos de palavras, afasta a representação sem anulá-la.2
Talvez a principal dificuldade de alcançar esta proposta se dê no fato dos circenses estarem um tanto presos à virtuosidade. Se gasta toda a energia, ou boa parte dela, na busca do mais difícil, do mais impressionante: um mortal a mais, uma bola a mais, uma pirueta a mais. Quase sempre o mais. Quando as vezes pode ser interessante o menos (relendo o texto lembrei dos palhaços, que certamente constituem uma questão a parte, não se incluindo aqui). Não que isso não ponha o outro (espectador, ou mesmo um colega) em crise, mas ela vai acontecer se o outro perceber o quanto seu corpo poderia fazer, se outro corpo faz, mas não o faz porque não treinou, não seguiu este caminho, ou tem outra profissão, esta fora do peso, etc. Provavelmente uma pequena crise.
Acontece que temos nas mãos, ou mais precisamente em nossos corpos, muitas críticas em potencial. Pois, a medida em que vivemos numa maquinaria social onde apreendemos e somos apreendidos, tomamos formas que nos fazem ser quem somos. Temos, no entanto uma potência que não circula, ou que as poucos se diminui, num corpo que se desfaz na lógica do consumo, do utilitarismo, numa economia dos corpos: num menor gesto, uma maior produção (Foucault, se não me falha a memória). Sendo que assim, quem mais sofre é o corpo, que é este sujeito, ou está individualidade, eu e você. E quem melhor que os circenses para levar o corpo para outras possibilidades? Mas isso é texto para outros textos.
Penso que o mais justo é se pensar em um circo contemporâneo, com iniciais minúsculas, porque ainda vejo ele, salvo algumas exceções, como um circo que é do nosso tempo, mas não difere muito do circo tradicional no seu fazer a ponto de necessitar de um novo nome. Pois mesmo que se apresente em outros espaços, com outras propostas no figurinos e mesmo no dito circo-teatro, o que prevalece são as mostras de números nos passos da virtuosidade: enquanto produtor de objetos para a contemplação e deleite de alguns.
E se a arte circense se apropriar desta possibilidade crítica e conceitual, não como parte casual do processo de criação, mas sim com pré-texto, como inicio do processo? Não que tenha que se perder o que se tem, ou não se possa trabalhar com uma proposta, diria (com receio novamente), mais tradicional. Não estou propondo a troca de uma por outra, mas a criação de outros territórios: a multiplicidade de territórios. Fugir da simples repetição.
Porém, essa outra vertente pode ser um pouco mais trabalhosa, e é necessário estar um pouco mais aberto. Assim como é necessário criar um espaço de pesquisa, de estudo, com seus devidos tempos. Sob o risco de se fazer o tradicional, com um nome novo.
1 Ronaldo Brito. Experiência Crítica. Editora Cosacnaify.
2 Roland Barthes. Escritos sobre teatro. Editora Martins Fontes:São Paulo, 2007.
Pensei, a partir desta frase, publicada em 1974, num artigo de autoria de Ronaldo Brito, crítico de arte, na questão dos artistas e da arte circense neste contexto. Neste artigo, Brito discute acerca da arte conceitual: ...uma tendência ampla e internacional que começou mais ou menos com a década de 70 - representa sem dúvida um movimento importante: pela primeira vez um movimento se propôs discutir não apenas o objeto da arte em si mas a própria função da arte e do artista na sociedade.
Não posso fazer da minha análise um questionamento que abrange toda a arte circense, mas sim dentro dos espaços de onde surge a minha experiência e das pesquisas que tenho feito a cerca desta arte, onde me incluo. Acontece que daí já surge um problema, que se soma aos outros, e me fazem questionar a arte circense enquanto processo intelectual: pouco se encontra de bibliografia e não há muita discussão neste aspecto na internet (faço esta afirmação com receio, pois não tenho pesquisado tanto quanto gostaria, mas é fato que se tratando de artes cênicas, a dança e o teatro tem publicações bem mais fáceis de se encontrar).
Acredito que está condição atual se torna mais clara à medida que se estuda a história do circo, das famílias circenses, de como se formou este grande espetáculo. E não há aqui em minha problematização uma questão de hierarquia, não se trata de ter que se ser intelectual para ter mais valor. Tem grandes méritos o circo tradicional, e um deles é o alcance que teve, e ainda tem, em termos de democratização e contato com o público. Coisa que não se pode afirmar da arte conceitual.
Contudo, desejo restringir está discussão no seguinte emolduramento: o que faz desta arte os que se dizem do Circo Contemporâneo? E não me aventuro agora na questão de conceituar e discutir o que se trata esse tal circo, mas me basta aqui sugerir que são artistas que surgem na nossa época e que conheceram o circo das mais diversas formas, que não a partir de sua família, sob a lona.
Circundando em torno da questão do circo contemporâneo, questiono as possibilidades deste fazer artístico circense que não se faça apenas no fazer, mas que se ponha a pensar. Pois, a medida que somos de outro contexto histórico e social, podemos (prendi meu ímpeto de escrever “devemos”) nos apropriar deste e pensar a arte circense não apenas como entretenimento, mas também como uma arte crítica.
E para delinear melhor a questão, coloco aqui a minha noção de arte crítica, me dita por Barthes: a arte crítica é aquela que abre uma crise: que rasga, que faz rachaduras na cobertura, fissura a crosta das linguagens, desliga e dilui o ligamento da logosfera; é uma arte épica: que torna descontínuos os tecidos de palavras, afasta a representação sem anulá-la.2
Talvez a principal dificuldade de alcançar esta proposta se dê no fato dos circenses estarem um tanto presos à virtuosidade. Se gasta toda a energia, ou boa parte dela, na busca do mais difícil, do mais impressionante: um mortal a mais, uma bola a mais, uma pirueta a mais. Quase sempre o mais. Quando as vezes pode ser interessante o menos (relendo o texto lembrei dos palhaços, que certamente constituem uma questão a parte, não se incluindo aqui). Não que isso não ponha o outro (espectador, ou mesmo um colega) em crise, mas ela vai acontecer se o outro perceber o quanto seu corpo poderia fazer, se outro corpo faz, mas não o faz porque não treinou, não seguiu este caminho, ou tem outra profissão, esta fora do peso, etc. Provavelmente uma pequena crise.
Acontece que temos nas mãos, ou mais precisamente em nossos corpos, muitas críticas em potencial. Pois, a medida em que vivemos numa maquinaria social onde apreendemos e somos apreendidos, tomamos formas que nos fazem ser quem somos. Temos, no entanto uma potência que não circula, ou que as poucos se diminui, num corpo que se desfaz na lógica do consumo, do utilitarismo, numa economia dos corpos: num menor gesto, uma maior produção (Foucault, se não me falha a memória). Sendo que assim, quem mais sofre é o corpo, que é este sujeito, ou está individualidade, eu e você. E quem melhor que os circenses para levar o corpo para outras possibilidades? Mas isso é texto para outros textos.
Penso que o mais justo é se pensar em um circo contemporâneo, com iniciais minúsculas, porque ainda vejo ele, salvo algumas exceções, como um circo que é do nosso tempo, mas não difere muito do circo tradicional no seu fazer a ponto de necessitar de um novo nome. Pois mesmo que se apresente em outros espaços, com outras propostas no figurinos e mesmo no dito circo-teatro, o que prevalece são as mostras de números nos passos da virtuosidade: enquanto produtor de objetos para a contemplação e deleite de alguns.
E se a arte circense se apropriar desta possibilidade crítica e conceitual, não como parte casual do processo de criação, mas sim com pré-texto, como inicio do processo? Não que tenha que se perder o que se tem, ou não se possa trabalhar com uma proposta, diria (com receio novamente), mais tradicional. Não estou propondo a troca de uma por outra, mas a criação de outros territórios: a multiplicidade de territórios. Fugir da simples repetição.
Porém, essa outra vertente pode ser um pouco mais trabalhosa, e é necessário estar um pouco mais aberto. Assim como é necessário criar um espaço de pesquisa, de estudo, com seus devidos tempos. Sob o risco de se fazer o tradicional, com um nome novo.
1 Ronaldo Brito. Experiência Crítica. Editora Cosacnaify.
2 Roland Barthes. Escritos sobre teatro. Editora Martins Fontes:São Paulo, 2007.
Pelo menos o chip.
Tem coisas nessa vida que são inevitáveis, outras quase. De inevitável mesmo talvez somente a morte. Há pouco fui assaltado, coisa de uma hora atrás. Virei a esquina, vi os caras, vi que eles me viram e também vi que eles viram que eu os vi. Tanto que minha reação foi atravessar a rua (um tanto previsível, diga-se de passagens) coisa que eles devem estar acostumados e se anteciparam (a final de contas, esse é o trabalho deles), me restando somente pensar: merda, lá vamos nós... E foi.
- Passa o celular! Não precisei responder, ele pegou por conta do meu bolso. - Passa o dinheiro! Eu respondi: calma, vou pegar a carteira, ta na mochila, mas só tenho seis reais (havia contado no ônibus, com o objetivo de saber se cabiam pães e frios no valor que eu tinha). Entreguei os seis. Ele duvidou, pediu mais. Expliquei que era só o que eu tinha e ele se certificou analisando minha carteira. – Passa o cartão do banco! No que retruquei: Pra quê?! Tu não tem a senha! (agora fico pensando: e se ele me pedisse a senha?! Ou me levasse ao banco a duas quadras dali para sacar?!). - Não, deixa o cartão! disse o outro (pois sim, não preciso contar que eram dois, extremamente fortes, maus e bem armados). Se foram, levando o meu ex-celular e minhas ex-três notas de dois reais. Mas não deixei por menos, antes que eles se afastassem me impus: - Será que vocês podem me devolver o chip? Coisa que eles fizeram de boa vontade. Porém, não conseguiram tirá-lo e pediram para eu fazê-lo. Sendo assim, tive a chance de me despedir do celular. Que descanse em paz!
Acontece que de tudo pouco me perturba. Digo, poderia ficar muito chateado, com medo, raiva, coisas assim. Mas quem se dispõem a refletir sobre as coisas, não pode simplesmente responder à ira e a humilhação que uma situação como está provoca. Porque, junto com o celular e a três notas de dois reais, foram um pouco do meu orgulho de Homem: essa coisa que ainda resta na gente, de precisar ser forte, corajoso, meio super-herói. Tudo por água a baixo.
Na reflexão sobre os fatos, considero que o assalto é resultado de uma necessidade. Claro que pode ser tanto para alimentar um filho quanto para comprar um tênis de marca ou sustentar um vício. Não sei. Mas sei que ninguém rouba se não precisa. Mesmo os cleptomaníacos: uma necessidade que surge da doença. Por outro lado, me parece que se eu fui humilhado, eles também devem sentir algo parecido. E acho que sentem, coisa que se reflete na forma de agir, como da outra vez que fui assaltado (sim, este foi apenas mais um episódio): sabem que estão tirando algo do outro e não levam o que não tem valor para eles, como os documentos, ao menos no meu caso, onde houve uma espécie de negociação.
No outro assalto nem levaram meu celular porque era muito velho (ironicamente é o que eu uso agora que o outro me deixou). Daquela vez eu disse: cara, to mau de grana! No que ele respondeu: Sim, mas nós estamos bem pior do que tu! Fiquei sem resposta para eles e para a faca. É uma espécie de distribuição de renda forçada.
Bom, a vida continua. Agora tenho um espetáculo de dança para assistir. Vou passar no banco se sacar mais dinheiro. Levo comigo o velho celular (aquele que os assaltantes não querem). Mas tenho um teatro com ar-condicionado me esperando. Talvez um bar com cerveja depois. Um teto bom e uma cama macia. O que será que tem os assaltantes?
Sei que eles tem o meu celular e seis reais.
- Passa o celular! Não precisei responder, ele pegou por conta do meu bolso. - Passa o dinheiro! Eu respondi: calma, vou pegar a carteira, ta na mochila, mas só tenho seis reais (havia contado no ônibus, com o objetivo de saber se cabiam pães e frios no valor que eu tinha). Entreguei os seis. Ele duvidou, pediu mais. Expliquei que era só o que eu tinha e ele se certificou analisando minha carteira. – Passa o cartão do banco! No que retruquei: Pra quê?! Tu não tem a senha! (agora fico pensando: e se ele me pedisse a senha?! Ou me levasse ao banco a duas quadras dali para sacar?!). - Não, deixa o cartão! disse o outro (pois sim, não preciso contar que eram dois, extremamente fortes, maus e bem armados). Se foram, levando o meu ex-celular e minhas ex-três notas de dois reais. Mas não deixei por menos, antes que eles se afastassem me impus: - Será que vocês podem me devolver o chip? Coisa que eles fizeram de boa vontade. Porém, não conseguiram tirá-lo e pediram para eu fazê-lo. Sendo assim, tive a chance de me despedir do celular. Que descanse em paz!
Acontece que de tudo pouco me perturba. Digo, poderia ficar muito chateado, com medo, raiva, coisas assim. Mas quem se dispõem a refletir sobre as coisas, não pode simplesmente responder à ira e a humilhação que uma situação como está provoca. Porque, junto com o celular e a três notas de dois reais, foram um pouco do meu orgulho de Homem: essa coisa que ainda resta na gente, de precisar ser forte, corajoso, meio super-herói. Tudo por água a baixo.
Na reflexão sobre os fatos, considero que o assalto é resultado de uma necessidade. Claro que pode ser tanto para alimentar um filho quanto para comprar um tênis de marca ou sustentar um vício. Não sei. Mas sei que ninguém rouba se não precisa. Mesmo os cleptomaníacos: uma necessidade que surge da doença. Por outro lado, me parece que se eu fui humilhado, eles também devem sentir algo parecido. E acho que sentem, coisa que se reflete na forma de agir, como da outra vez que fui assaltado (sim, este foi apenas mais um episódio): sabem que estão tirando algo do outro e não levam o que não tem valor para eles, como os documentos, ao menos no meu caso, onde houve uma espécie de negociação.
No outro assalto nem levaram meu celular porque era muito velho (ironicamente é o que eu uso agora que o outro me deixou). Daquela vez eu disse: cara, to mau de grana! No que ele respondeu: Sim, mas nós estamos bem pior do que tu! Fiquei sem resposta para eles e para a faca. É uma espécie de distribuição de renda forçada.
Bom, a vida continua. Agora tenho um espetáculo de dança para assistir. Vou passar no banco se sacar mais dinheiro. Levo comigo o velho celular (aquele que os assaltantes não querem). Mas tenho um teatro com ar-condicionado me esperando. Talvez um bar com cerveja depois. Um teto bom e uma cama macia. O que será que tem os assaltantes?
Sei que eles tem o meu celular e seis reais.
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