Mas mudando de assunto, li ontem com Paul Valéry, o seguinte diálogo, que me apetece acrescentar aqui. Momentos passados, passando, repassando. Escolhas que temos que assumir, outras ainda por vir. Me tocou tal diálogo, pelo momento em que passo, e também passam outros por momentos parecidos, pelo que sei das conversar perdidas pela rua.
Esse diálogo se chama Colóquio dentro de um ser.
A
- Chora, mas vive! Sai do estado de larva. Desembaraça-me dessa miserável mistura de sensações equivalentes, de lembranças sem serventia, de sonhos sem lastro, de previsões sem consistência... Chama à ordem, reúne todas essas pequenas forças não-orientadas que se dispersam em tua fadiga. Tua Fraqueza nada mais é que a confusão de todas elas. Vamos, separa-me todas essas espécies: junta tuas energias de mesma natureza; não mistura mais o verdadeiro com o falso; cada um deve servir em seu momento! Organiza as diversas partes do tempo complexo, que te permitem fazer aquilo que não é agir sobre o que é, e o que é sobre o que não é... Comanda bem tuas pernas e teus braços, e sente teu poder até as extremidades de teu império sobre esses membros. Apropria-te de teu olhar, e faze o espaço, em vez de sofrer todos os acidentes da extensão colorida... Desenha pois, de teu olhar em movimento, a figura nítida dos objetos. Assegura-te também de tua potência interior. Exige, exerce, excita a liberdade geral dos termos e das formas de tua linguagem; desperta os mecanismos de combinação, de transposição, de articulação das idéias e de distinção dos conceitos...
.......
B
- E então... farei o que é preciso. Sinto em mim de repente uma extraordinária energia. Vejo-me carregado de vida e quase embaraçado por uma liberdade de pensar e de agir que me invade, como que fortemente excitada pela iminência das dificuldades e dos aborrecimentos que há pouco me abatiam a alma.
A
- Chora, mas vive! Sai do estado de larva. Desembaraça-me dessa miserável mistura de sensações equivalentes, de lembranças sem serventia, de sonhos sem lastro, de previsões sem consistência... Chama à ordem, reúne todas essas pequenas forças não-orientadas que se dispersam em tua fadiga. Tua Fraqueza nada mais é que a confusão de todas elas. Vamos, separa-me todas essas espécies: junta tuas energias de mesma natureza; não mistura mais o verdadeiro com o falso; cada um deve servir em seu momento! Organiza as diversas partes do tempo complexo, que te permitem fazer aquilo que não é agir sobre o que é, e o que é sobre o que não é... Comanda bem tuas pernas e teus braços, e sente teu poder até as extremidades de teu império sobre esses membros. Apropria-te de teu olhar, e faze o espaço, em vez de sofrer todos os acidentes da extensão colorida... Desenha pois, de teu olhar em movimento, a figura nítida dos objetos. Assegura-te também de tua potência interior. Exige, exerce, excita a liberdade geral dos termos e das formas de tua linguagem; desperta os mecanismos de combinação, de transposição, de articulação das idéias e de distinção dos conceitos...
.......
B
- E então... farei o que é preciso. Sinto em mim de repente uma extraordinária energia. Vejo-me carregado de vida e quase embaraçado por uma liberdade de pensar e de agir que me invade, como que fortemente excitada pela iminência das dificuldades e dos aborrecimentos que há pouco me abatiam a alma.
A
- Atenção! Fico encantado de te ver tão diferente daquele que com tantos esforços arranquei do estado de vida confusa. Aprecio verdadeiramente tua metamorfose. Nada eras, e farás tudo! Mas toma cuidado... Não abusa desse vigor. A noite existe. Sempre vem.
B
- Crês que minha lucidez não a veja aproximar-se? Crês que não pensa em seu próprio crepúsculo – e mesmo que não o admire? Não é uma suprema maravilha pensar que possuímos em nós aquilo que nos faz desaparecer – enquanto que todas as coisas, como que capturtadas, o que quer que sejam , numa única e mesma rede que a arrasta insensivelmente rumo a sombra – as pessoas, os pensamentos, os desejos, os valores, os bens e os males, e meu corpo e os deuses, se retiram, se dissolvem, se aniquilam, se obscurecem juntos?... Nada aconteceu. Tudo se apaga ao mesmo tempo. É bonito? Quando o navio afunda, o céu desmaia e o mar evapora...
Mas por enquanto, amigo, olha como este punho é firme. Bate na mesa. A mesa força está em meu coração, que é maciço como ele, bate em cheio o tempo de meu poder! Eu sou medida e desmedia, rigor e ternura, desejo e desdém: eu me consumo e me acumulo: eu me amo e me odeio, e sinto-me, da testa a ponta dos pés, aceitando-me tal como sou, como eu for, respondendo com todo o meu ser à questão mais simples do mundo: que pode um homem?
Depois disto, sem mais o que escrever.
Paul Valéry. A Alma e a Dança e outros diálogos. Rio de Janeiro: Imago Ed. 2005.
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