sábado, 18 de abril de 2009

Textinho acalma-mãe

Insiste em me dizer que quando eu tiver um filho irei entender. Como que com isso me despe, fico nu ante a impossibilidade de resposta, como sou filho, e não pai, sou despido de todos os argumentos. Ou quem sabe me dizes isso para se justificar, como se justificando ante a possibilidade de ser preocupada em excesso, ou invasiva, ou exagerada. Enfim, mãe.
Me dizes que se preocupa, que não sabe se os caminhos por onde ando me levarão para algum lugar. Sem talvez se perguntar se eu quero chegar em algum lugar. Ainda mais quando esse lugar é: estabilidade, aposentadoria, salário fixo, um carro. Não quero nenhum desses lugares. Meus lugares são transitórios: cada passo é um lugar. Tenho então uma paisagem, como uma bela pintura: tons entre as lágrimas e os sorrisos, timbres feitos de experiências.

Sim, sou um artista. E você se pergunta como, se não há na família outro, e minha educação tampouco apontou para este lado. Como cheguei neste lugar? Não posso dizer que escolhi ser artista, é mais certo que ser artista escolheu ser eu. Como é certo que uso com receio o me dizer artista, como é certo que ao me dedicar a isto, de alguma forma o sou, como é certo que nada não posso ser. Um caminho: onde estudo, pesquiso, treino, aprendo a cada dia. Dias instáveis, com salários pairantes, à passos de All Star, pedalas, bancos de ônibus. Sem esquecer das calças de doze reais comparadas na Voluntários e cortadas logo abaixo do joelho. Sei que não me criou para ser assim. Sei.

Me diz que posso estar usando pouco a minha inteligência. Fico a pensar o que seria esta inteligência, e de que forma “aplicá-la” melhor. Até encontrar esta forma, uso ela nos pensares sobre como nos relacionamos com o mundo, com as pessoas, consigo, de que forma se apropriaram de mim os vícios de comportamento, ou eu deles, como fazer deste corpo outro, outros gestos, movimentos, fazendo deles algo que seja potencializador de pensamentos em outros, que instigue o público, “alunos”, colegas.

Usar a inteligência medicando? Legislando? Construindo prédios? Podia. Mas sou artista. Não menos que nenhum deles. Diferente. Menos e mais no que cada um se propõe a fazer. Não posso medicar, mas posso provocar sorrisos. Não posso criar leis, mas posso estimular sensações. Não posso construir prédios, mas posso destruir verdades, posso construir buracos, onde alguém pode se perder, para daí talvez se encontrar, diferente. E antes que se esqueça: sou artista.

É certo que mentiras repetidas muitas vezes, no fim das contas são tomadas por verdades. Como uma palavra que se pronuncia tão rápido que vira outra coisa. E de tanto repetirem da importância do ter, da estabilidade financeira, do status de determinada colocação social, os mais desapercebidos podem acreditar que isso é o essencial. Podem esquecer que se, por traz desses quesitos que giram em torno do dinheiro, não houverem experiências e sentimentos dos mais variados, e se esses não forem recebidos e vividos, mas sim engolidos a contra-gosto à mando do tempo que é empurrado pelo ponteiro do relógio, não há status ou dinheiro que te faça feliz. E como feliz não me diz muito, acrescento o conceito de Alegria de Espinosa, como potencialização do ser (como vê, até sou inteligente, mas talvez de uma forma menos convencional).
E pra terminar, vou lembrar a frase com a qual iniciei o meu discurso de orador, no momento da minha formatura no curso de Educação Física, esse momento em que você ficou tão feliz, mesmo sabendo não ser esta uma profissão tão promissora. Mal sabia você que além de educador físico, eu optaria por ser uma artista. Caiu o mundo. Disse Guimarães Rosa, mais ou menos assim: o mais importante não é nem a partida, nem a chegada, e sim, a travessia.
Pois estou em plena travessia: ora caminhando, ora correndo, ora saltando, ora malabariando, ora dançando, ora escrevendo, ora chorando, ora dormindo, ora ensinado, ora rindo, ora me pendurando, vivendo... E a chegada? Quem chega é entregador de pizza, carteiro, corredor de maratona, bebê, ou dor de cabeça, mas eu sou é artista.
Fim do texto. Mas antes que eu me esqueça: Primeiro: o quanto se recebe, financeiramente, está, ao meu ver, mais relacionado com a dedicação e a atenção na sua profissão, do que com a profissão em si. E antes que algum leitor não-minha-mãe pense que sou um pé rapado, digo que não, e deve aqui ser o suficiente. Segundo: da minha colocação como filho-que-não-é-pai posso dizer que de alguma forma entendo sua preocupação de mãe. Como todos os filhos. E como eu. Mas e se eu não me preocupo comigo? É certo eu me preocupar com a preocupação que você tem comigo? Uma boa pergunta para todos os pais. Terceiro: obrigado por ser minha mãe nesse vinte e alguns anos, imagino que não tenha sido fácil. Mas não se estresse muito, pois outros anos virão.

2 comentários:

  1. E é por isso que eu te amo tanto ..pela tua compeensão comigo e com as minhas fraquezas(de mãe).E claro, concordo com tudo que está escrito aqui.E nem te criei para ter dinheiro ..te criei para ser feliz..mas é que dinheiro faz parte..e é nescessário.Obrigada por tudo..eu é que tenho de te agradecer, por te ter na minha vida...por seres tão especial.E sei aqui, bem dentro do meu coração que é esse o caminho.Mas desculpa meu filho,vou dizer ainda...Te cuida... te amo...bjus!!!!!

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  2. Bah me emocionei demais com teu texto...me tocou especialmente por estar vivendo um momento de transição também, sem saber se finalmente faço o que tu sempre me dizia: larga tudo e vamos viver de arte! Um primeiro passo foi dado, mudei de país, voltei a fazer tecido (e me lembro demais de ti sempre) e estou estudando algo realmente voltado a esse mundo de espetáculos que tanto me (nos) encanta. Resta traçar agora meu caminho e decidir realmente entre o ser artista ou não. Te admiro pela tua coragem! Bjs Ziza

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