sábado, 18 de abril de 2009

Pedacinhos de ouro?

Se o momento não é dos mais frutíferos em termos de práticas de escrita, gosto de pensar que é porque estou a plantar, e a colheita será farta. Um pequeno exagero, pois certamente não é nessa lógica de causa e efeito, somando-se migalhas, para fazer um pão, que as coisas do mundo são feitas. De qualquer forma há de se considerar que a escrita é irrealizável sem a leitura. Que seja, no mínimo, no reler-se. Mas bons textos são fruto do tempo. Tempo como um espaço preenchido com leituras e pensamentos e escrituras. Espaços refeitos passo-a-passo, no tornar-se tempo. No espaço-tempo onde me encontro agora (este agora tempo-escrita, deste fazer, que logo pós-feito é texto, texto que se faz outro no momento em que é lido, embora seja o mesmo enquanto agrupamento de símbolos, mas que pode sugerir a quem lê, que o que eu lia no agora, que agora não mais agora é, já não estará mais sendo lido por mim, mas tão pouco isso importa), está co-habitado por Baudrillard, Ferreira Gullar, Manuel de Barros e Saramago. Deste último trago boas sensações minhas do encontro com um texto. De um fragmento dele. Corro o risco delas não irem junto com o fragmento que envio logo abaixo, ou por soltura no momento do transporte, ou por incompatibilidade sensitiva entre diferentes leitores. Mas o que posso eu com as intempéries da vida? Mesmo que: querer é poder! Como também quem planta colhe...

Autoritárias, paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito, também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga maligna, das piores que têm assolado o mundo. Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida.#

# Saramago. A Caverna. Editora Companhia das letras.

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